Foto: Edição/247
“Pensadores” como o blogueiro Reinaldo Azevedo, o astrólogo Olavo de Carvalho e o filósofo Luiz Felipe Pondé arrebanham seguidores para suas teses contra o politicamente correto, contra as políticas afirmativas, ou a favor do anti-esquerdismo. Agora com a companhia do senador Álvaro Dias, eles recuperam um antigo vício da direita brasileira: o apoio a golpes na América Latina
Heberth Xavier_247 - Há seis anos, o jornal Folha de S. Paulo
publicou uma reportagem na qual mostrava a curva ascendente da chamada
“nova direita” sobre o pensamento brasileiro. As palavras iniciais do
texto, intitulado “Direita, volver!”, foram felizes ao resumir o zeitgeist daquele início de 2006 no Brasil:
“De repente passou a ser bacana o sujeito, numa festa ou
numa mesa de bar, rodopiar a taça de vinho e desfilar frases do tipo
‘essa canalha bolchevique do PT não sabe nem falar português’, seguidas
de elogios à atuação de George W. Bush no Iraque ou de incursões
‘teóricas’ das quais a principal lição a ser retirada é que só é pobre
quem quer.”
O clima cultural favorecia esse grupo, logo apelidado de “nova direita” na própria matéria da Folha. Dele faziam parte o blogueiro da revista Veja, Reinaldo Azevedo; o astrólogo (autointitulado filósofo) Olavo de Carvalho; o poeta e jornalista Nelson Ascher, entre outros.
De lá para cá, passaram-se mais de seis anos. Alguns nomes
de maior ou menor qualidade poderiam ser acrescentados à lista, como o
filósofo Luiz Felipe Pondé, o jornalista Augusto Nunes e alguns
políticos que, antes envergonhados do rótulo, hoje não se esquivam em
reivindicar-se “de direita”.
Não que isso seja necessariamente ruim, pelo contrário. O
que impressiona é como o “novo” rapidamente se tornou “velho”. Não foi
necessária mais do que uma dezena de anos para logo essa “direita”
confundir-se com o retrógrado, com a defesa de golpes, com o
anti-reformismo, com o flerte perigoso com tendências chauvinistas, com o
desprezo a minorias, com a religião “anti-politicamente-correta”, com
as teorias conspiratórias e, nos casos extremos, até com opiniões
grotescamente folclóricas…
E logo a “nova” direita se tornou tão velha quanto a
esquerda pueril que ela tanto criticava e que reduzia realidades
complexas a uma mera equação da luta de classes, da luta do bem contra o
mal. Surgiram pensadores inteligentes e perspicazes nesse campo, gente
como os economistas reformistas Paulo Rabello de Castro ou José
Alexandre Scheinkman, mas eram apenas exceções a confirmar a regra.
O astrólogo e “filósofo” Olavo de Carvalho é um dos mais
“adorados” pelos “novos” direitistas - não poucos, de fato, são novos
cronologicamente falando. A turma de adoradores acompanha tudo o que
Carvalho diz nas redes sociais. Dos Estados Unidos, onde mora
atualmente, o astrólogo defende teses campeãs como a de que a
multinacional Pepsi-Cola seria um dos instrumentos usados pelos
defensores do aborto. “Tome Pepsi-Cola e se torne um abortista
terceirizado”, diz o pensador da “nova-velha” direita brasileira, para
quem a fabricante de bebidas está usando “células de fetos abortados
como adoçante nos refrigerantes” - se você não acredita, clique aqui…
Outra arma da “nova-velha” direita é ser contra qualquer
tipo de política afirmativa. Se alguém defende cotas para mulheres nos
partidos políticos, ela contra-argumenta ameaçando o indefeso
interlocutor: “Daqui a pouco vão defender cota para gordos, para
canhotos, para “loiras-burras”, para “ex-BBBs”… A “nova-velha” direita
também não gosta muito de políticas de transferência de rendas (também
afirmativas, pois focalizadas) como o Bolsa Família, pois “estimuladoras
da preguiça e da acomodação” - ok, alguns argumentos são mais
sofisticados, mas na prática se reduzem a isso. Inútil lembra-la que
essas políticas foram defendidas pelos liberais de Chicago, ainda nos
anos 1980, como uma forma de compensar os mais pobres pelos desvios da
política chamada neoliberal.
Na economia, por sinal, a “nova-velha” direita nunca foi
tão velha, com o problema de, agora, abusar da repetição de clichês e
bordões. No ano passado, por exemplo, quando o Banco Central reduziu a
taxa básica de juros (Selic), o coro da “nova-velha” direita ganhou
novas vozes, como a do jornalista Carlos Alberto Sardenberg ou a do
economista e articulista de Veja Maílson da Nóbrega. Aos juros
menores, eles brandiam o argumento de que a inflação voltaria. À
manutenção da inflação sob controle nos meses seguintes, silêncio.
Em 2009, na gênese da crise mundial que dura até hoje, o
governo Lula decidiu usar os bancos públicos - Caixa e Banco do Brasil -
para forçar a concorrência a reduzir as taxas na ponta. A “nova-velha”
direita voltou-se contra a medida, sob o argumento de que a
contabilidade das duas instituições não teria como sustentar a
intervenção política de Lula. Na época - como agora -, a chamada
“intervenção” realmente levou os juros bancários para baixo - inclusive
entre os bancos privados. No fim daquele ano, os balanços do BB e da
Caixa ficaram no azul, com recorde de lucro. A “nova-velha” direita
silenciou novamente…
A última da “nova-velha” direita brasileira é aplaudir
golpes em países latino-americanos. À guisa de não repetirem antigos
chavões de pouca credibilidade atual, seus representantes inauguraram
novas modalidades golpistas. Em Honduras, ainda que a prisão do então
presidente Manuel Zelaya, em 2009, tenha sido classificada como “golpe”
pela ONU, para a “nova-velha” direita brasileira não foi mais do que o
cumprimento de uma decisão do Poder Judiciário. No Paraguai, teria sido
legítimo o impeachment de Fernando Lugo pelo simples fato de ter sido
obra do Congresso - transformaram um instrumento democrático legítimo (o
impeachment) em fetiche.
Não deixa de ser ridículo - para não dizer vexatório -
assistir a um senador da República, de passado contrário ao regime
militar no Brasil, como é o caso do senador tucano Álvaro Dias,
postar-se como maior defensor mundial do golpe à paraguaia. “Lugo teve
oportunidade de defesa”, disse o senador, referindo-se às 18 horas
concedidas a um presidente eleito para defender-se das acusações.
Levantou a bola para seu rival, ex-companheiro de MDB nos tempos da
ditadura militar e também senador pelo Paraná, o polêmico Roberto
Requião: “Num processo de multa de trânsito, o cidadão paraguaio tem dez
dias para apresentar sua defesa e mais cinco para um recurso”.
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