por Cláudio Lembo
Só
os desavisados foram tomados de surpresa. Os resultados do censo do
IBGE sobre religião eram esperados. Ainda mais. São absolutamente
compreensíveis.
A
sociedade brasileira é individualista. As pessoas possuem uma grande
vocação para a liberdade pessoal. Gostam de viver. Conhecer novas
experiências. Detestam ser sufocadas.
Durante
séculos o catolicismo colocou-se como religião oficial e, portanto,
dominante. Nada desgasta mais uma crença que o oficialismo. Fragiliza
os seus adeptos. Leva os vícios do Estado para o campo religioso.
A
par desta simples constatação, deve-se analisar o panorama religioso
brasileiro através dos séculos. A religião, no vasto território
nacional, exercia-se a partir de beatos, rezadores e sacristãos.
Os
sacerdotes eram raros. Localizavam-se particularmente nas cidades
situadas nas bordas do Atlântico. Esta ausência de quadros religiosos
regulares deu origem a uma religiosidade popular.
Esta
sempre dominou a mente da população. É só recolher os exemplos de
Canudos e do Contestado. Ambos os movimentos, deflagrados após a
proclamação da República, contavam com beatos em sua liderança.
Sempre
foi assim. O catolicismo, no Brasil, tinha presença marcante, com seu
formalismo, nos atos governamentais. O povo, em seus espaços, agia de
acordo com suas tradições e rituais espontâneos.
Dominava
as consciências das classes sociais economicamente superiores. Foi
assim até o surgimento da Teologia da Libertação. A partir deste
evento, passou a perder a confiança das classes médias urbanas.
A
erosão foi inicialmente lenta. Acelerou-se com o passar do tempo e o
aumento do grau de impulsividade dos púlpitos. O então chamado
aggiornamento pode ser considerado um crepúsculo.
A
par deste acontecimento, a chegada de formas recolhidas no hemisfério
norte, para a pregação religiosa, rompeu definitivamente o arcabouço
do catolicismo no Brasil.
O
ritual evangélico é leve. Direto. Não há aulas de erudição
desnecessárias. Vai direto ao assunto. Prega a prosperidade material.
Aponta para a leitura da Bíblia sem intermediários.
O
celebrante já não é titular do texto revelado. Qualquer pessoa pode
atingi-lo sem a necessidade de alguém para auxiliá-lo na eventual
interpretação.
Tudo
se tornou dinâmico. A relação do homem com Deus imediata e direta.
Romperam-se antigos preconceitos. Tornaram-se os crentes mais senhores
de sua liberdade religiosa.
Os
números do censo, pois, não surpreende. Os brasileiros foram
impedidos de uma plena liberdade religiosa pelo oficialismo.
Procuraram, porém, sempre resguardar a liberdade de crença.
A
constituinte de 1823, abortada por D. Pedro I, é nítida expressão
deste espírito de liberdade religiosa que impregna a sociedade nativa.
Os constituintes debateram, à exaustão, a liberdade religiosa.
Desejavam
que protestantes e judeus pudessem participar de seus cultos sem
qualquer censura ou obstáculo. A liberdade religiosa foi tema constante
nos trabalhos constituintes.
Desde
então – o nascimento do Estado nacional – buscou-se preservar esta
possibilidade de opção religiosa, apesar da monarquia ser oficialmente
católica.
Hoje
– com o rádio, a televisão e a internet – tornou-se impossível a
preservação de uma só forma de pensar. Espontaneamente, surgiram as
múltiplas maneiras de atingir a Deus.
Ou as formas de se manter agnóstico ou mesmo ateu.
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