Damian Loreti, um dos maiores
especialistas em meios de comunicação da Argentina, analisou para o
jornal Página/12 a resolução da Suprema Corte sobre a Lei de Serviços de
Comunicação Audiovisual, conhecida como Lei de Meios. Também falou da
publicidade oficial, da reclamação para que haja entrevistas coletivas e
das críticas ao suposto “monopólio midiático” que o governo de Cristina
Fernández de Kirchner teria criado nos últimos anos.
Buenos Aires - Damian Loreti é um dos maiores especialistas em meios de
comunicação da Argentina. É advogado e doutor em Ciências da Informação.
Foi diretor do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade de
Buenos Aires, onde é titular da cátedra de Direito à Informação. Também é
docente na Universidade de Lomas de Zamora, bastião do vice-governador
Gabriel Mariotto, ex-titular da Autoridade Federal de Serviços de
Comunicação Audiovisual (Afsca). Também participou da redação da Lei de
Serviços de Comunicação Audiovisual (LdSCA), que esta semana superou o
último dos obstáculos que mantinha sua aplicação incompleta desde sua
sanção, em outubro de 2009.
Em conversa com o Página/12 analisou em profundidade os alcances da
recente decisão da Suprema Corte que fixou o dia 7 de dezembro deste ano
como prazo “razoável” para que caduque a medida cautelar interposta
pelo grupo Clarín com respeito ao artígo 161, mal chamado de
“desinvestimento”. As reclamações pelas entrevistas coletivas, a
publicidade oficial e as críticas da oposição a um suposto “monopólio
midiático” criado pelo Governo, são alguns dos eixos da entrevista.
– Quais são, a seu critério, os pontos relevantes da sentença, além da questão dos prazos?
– Que é uma questão puramente patrimonial e não há ressalvas que surjam
em matéria de restrições a liberdade de expressão por parte da lei. Isso
tem dois ou três eixos relevantes. O primeiro é que, quando se discutiu
a lei, ninguém falava de direito de propriedade, as campanhas
contrárias estavam circunscritas à liberdade de expressão. Que a Corte
diga que não está afetada tem duas consequências centrais: por um lado,
em termos da própria legalidade interna e pelo outro com o efeito
regional porque a lei foi tomada como modelo para muitas outras coisas.
Foi reconhecida como um avanço pela Relatoria de liberdade de expressão
da OEA; a Relatoria das Nações Unidas a chamou de exemplo tanto pelo
conteúdo como pelo debate e também por Repórteres Sem Fronteiras.
Então, um efeito expansivo da Corte Suprema argentina que dissesse que a
lei afetava a liberdade de expressão era de consequências
institucionais, políticas e de padrões de liberdade de expressão muito
grave. Estávamos convencidos de que não havia prejuízo neste plano e a
Corte referenda essa avaliação.
O segundo eixo é que é uma questão patrimonial. Os direitos adquiridos
têm a ver não com o direito à sustentabilidade ou com uma situação
jurídica específica, mas com o direito à indenização. Com o qual,
estaríamos discutindo que danos causa a lei, mas não se pode pensar que
seja indenizável que alguém deixe de ser monopólico ou com abuso de
posição dominante. Estas são duas questões que tomaram menor relevância
que as outras nos comentários das sentenças.
– Com a informação disponível, é possível saber quais são as incompatibilidades envolvendo o Grupo Clarín?
– Em quatro praças têm superposição de um canal de televisão aberta e
por ser operador de TV a cabo: Buenos Aires, Córdoba, Bahía Blanca e Mar
del Plata. Depois há um tema muito mais complicado em termos jurídicos,
que tem a ver com que a queda da cautelar por parte da Corte implica
também a queda do efeito sobre a presunção de verossimilhança da
quantidade de licenças que têm o Grupo Clarín a partir do processo de
fusão de Cablevisión-Multicanal. Quando foi concedida a cautelar, a
Justiça ainda estava intervindo na rejeição que o velho Comfer faz ao
processo de fusão Cablevisión-Multicanal.
Então, uma das coisas que o Estado questionou contra, era que iam
outorgar uma cautelar a uma quantidade de licenças que nós nunca
provamos que sejam do mesmo grupo.
Repassando. Em 2009, sai a Resolução 577 do ex-Comfer que rejeita a
fusão Cablevisión-Multicanal dizendo que há superposição de licenças na
mesma área de cobertura, coisa que já a lei da ditadura não aprovava.
Por um processo de concentração terminaram comprando dois ou três canais
a cabo em mais de uma praça e em alguns lugares também o serviço de
televisão codificada. Isso determina que o descumprimento não tinha nada
que ver com a lei nova, mas com a lei velha. O Clarín interpõe uma
cautelar e esta resolução fica paralisada. Mas ao mesmo tempo, quando
fazem a medida cautelar contra o artigo 161, o fazem em nome das 237
licenças, que são o resultado da fusão Cablevisión-Multicanal, que não
havia sido validada.
– O ex-presidente Néstor Kirchner não havia autorizado essa fusão?
– O que havia assinado, a Defesa da Competição, é a operação conjunta,
ou seja, o que permite a justaposição das empresas sob a mesma cabeça,
não sob a mesma razão social, ou seja, a fusão. Isso era atribuição pura
e exclusiva do ex-Comfer. Já que não se podia fazer nada a respeito do
artigo 161, sobre a situação existente, isso também se aplicava à fusão.
Com o que, agora está a fusão rejeitada no próprio expediente e, além
disso, não há cautelar que permita sustentá-la, nem antes nem agora.
– Quer dizer que, com esta decisão
da Corte, caem também os efeitos que a cautelar pelo artigo 161 podia
ter sobre a fusão Cablevisión-Multicanal?
– Ou seja, agora Clarín tem que desarmar a fusão, nunca validada e, além
disso, circunscrever-se aos tetos de concentração de audiências,
mercados e quantidade de licenças que prevê o artigo 45 da lei nova. São
dois processos de reacomodamento que estão pendentes.
– Com a informação atual é possível saber as opções de Clarín para adequar-se à lei?
– É complexo assumir qual unidade de negócios pretenderiam deixar em
cada lugar e por quê. De 237 licenças têm a maioria em cabos, por
quantidade e por acumulação em áreas de cobertura. E em alguns lugares
onde tem um canal de TV aberto e um cabo tem que deixar de tê-lo. Também
tem que desprender-se de quantidade de sinais de cabo, porque a
obrigação que dá a lei é ter uma quando se é distribuidor.
– Indo à responsabilidade do Estado,
a sentença também é crítica com respeito à atitude da Afsca, por uma
demora na aplicação de outros aspectos da lei a outros meios.
– A sentença diz algo como que “não é dado supor que tenha havido uma
atitude apressada” da Afsca. Neste tema há objetivamente um dilema: se
por culpa da medida cautelar não se descomprime a pressão sobre o
mercado e ao mesmo tempo em que se obriga da Afsca a descompor outras
situações de resistência a esse abuso de posição dominante, se vai
contra o espírito da lei. Até que ponto o Estado veria um processo de
maior concentração do mercado, que é o que a lei não promove por via de
que alguns tiveram cautelares e outros não? É verdade que há atrasos,
sobretudo nas licitações para os novos meios que são o coração da lei.
Eu tenho a expectativa de que as licitações sejam feitas rápido.
– Segundo a nova lei, o que acontece
com a venda do Grupo Hadad, do Canal C5M e das rádios Mega, Pop,
Radio10, Vale e Amadeus ao Grupo Indalo, do empresário Cristóbal López?
– Nunca vi nenhum papel a respeito e não tenho conhecimento de que tenha
entrado nenhum papel à Autoridade Federal. E se tiver que me guiar pelo
que dizem os meios, nem todos dizem o mesmo sobre o esquema de negócios
realizado. Não quero opinar sobre algo que não conheço.
– A oposição denuncia que o Governo
está criando uma espécie de “monopólio oficialista” de meios de
comunicação por via da publicidade oficial. Qual sua opinião sobre isso?
– Se você olha a quantidade de rádios que existem no país, não estou de
acordo com essa apreciação. Se você olha a quantidade de sinais por cabo
e a quantidade de emissoras que existem, tampouco me parece que o
Estado tenha proeminência. Quando se vê os donos se dá conta de que os
que têm proeminência são certos setores privados. Em termos de níveis de
audiência, tampouco. Sempre falando de audiovisuais. (Repassa uma por
uma as rádios FM e AM de todo o espectro radioelétrico.)
– Mas houve uma mudança no mapa dos meios...
– O que é o que aconteceu? Não havia nenhum espaço privado que aderisse a
muitas políticas dos últimos governos. O que existe agora é uma
corrente de jornalistas, que, sim, aderiram a muitas políticas deste
Governo, o que em muitos tem gerado uma crise de consciência que foi
exposta. Os jornalistas têm que mudar imediatamente de opinião por causa
disso? Acho que não. Não creio que haja, na hora de fazer números, nem
no interior nem na Capital, uma proeminência em quantidade de meios que
se possam assumir como afins à linha ideológica do Governo.
– O que diz da reclamação de alguns
jornalistas com respeito às entrevistas coletivas? Afeta a liberdade de
imprensa ou o acesso à informação que não haja entrevistas coletivas?
– Não afeta à liberdade de imprensa. E o direito de acesso à informação é
outra coisa diferente. Para isso está vigente o decreto 1172, que vale
para todo o Poder Executivo e quem quer fazer um pedido de acesso à
informação o faz. E se não, reclama. Se olharmos a quantidade de pessoas
que fizeram pedidos sobre acesso, não há muitos e o mecanismo existe
desde setembro de 2003. Minha cadeira faz um monitoramento no qual se vê
que não é perfeito, mas tendencialmente melhorou muito. A entrevista
coletiva não tem a ver com o acesso à informação do ponto de vista
técnico.
– E com quê tem que ver?
– O direito de acesso à informação é que toda a cidadania possa acessar
de forma regulada, ordenada, com um processo pautado, informação
confiável e verificável, com suporte documental. As entrevistas
coletivas têm a ver com a política comunicacional do Estado, que faz
parte das atribuições de cada governo. Haverá melhores ou piores
estilos, mais ou menos simpáticos. Mas o fato de não haver regularmente
entrevistas coletivas não configura um mecanismo nem direto nem indireto
de censura. Além disso, há um paradoxo porque, em determinada época, os
ministros ficavam na porta de suas casas, tampouco havia entrevistas
coletivas, mas ninguém se queixava. Quantas entrevistas coletivas deram
Obama, Rajoy ou o primeiro ministro do Canadá? E Alfonsín? Aqui o
problema (dos meios de comunicação) é outro, não as entrevistas
coletivas.
– Mas não seria melhor que existisse a possibilidade de realizar um intercâmbio de perguntas e respostas com o Governo?
– Sim, mas isso é diferente de argumentar que a liberdade de imprensa
está afetada. É factível propor que haja um intercâmbio, sim, mas a
resposta negativa não afeta a liberdade de imprensa. Existem práticas
mais cômodas ou menos cômodas. Isso é misturar estilos com consequências
institucionais. E se falamos de acesso, houve uma meia sanção de acesso
à informação no ano passado no Senado e depois na Câmara, não se tratou
disso e a maioria era da oposição.
– Uma das coisas que se argumentou
durante o debate da LdSCA é a necessidade de regulamentar a publicidade
oficial. Não deveria avançar-se nesse sentido?
– É um tema enormemente complexo porque na América Latina não existe uma
lei modelo. Não há uma receita e na Europa há distinção entre
publicidade oficial e regimes de subsídio ao pluralismo. Há alguns
raciocínios de sentido comum que dizem que, quanto maior a tiragem,
maior a pauta, mas isso gera maior concentração em termos econômicos e
utilização da mensagem sem apontar o público específico. O que a Corte
propôs é que os Estados não têm direito de retirar publicidade como
consequência de conteúdos que se tenham publicado. Faria falta uma lei
sobre as duas coisas, também legislar sobre a cláusula de consciência,
em termos de favorecer os jornalistas, e a lei de aceso à informação,
não só como controle, mas como plataforma de exercício de outros
direitos.
– É uma prática habitual perguntar ao entrevistado se lhe ficou algo para agregar...
– Em termos mais genéricos sobre o Estado de situação da liberdade de
expressão, agregaria a posição de muitíssimos meios do interior, nas
audiências públicas pelo tema “papel prensa”. Isso é algo sobre o que se
prestou pouca atenção e é para fazer uma tese de doutorado a respeito
da situação econômica da imprensa argentina em termos de insumos.
Agregaria o impacto da lei de despenalização de calúnias e injúrias já
que, no interior, o uso do direito penal continuava sendo uma prática
comum. Observaria que a jurisprudência da Corte é consistente com
padrões internacionais de liberdade de expressão, de modo insistente. E,
dentro de todas as coisas que tem a ver com a aplicação da LdSCA,
marcaria algumas muito relevantes: a aparição de novos conteúdos
(unitários e programas que estão sendo financiados dentro do modelo de
conteúdos digitais). De forma muito forte, o efeito convergente entre a
lei de Reforma Política e a LdSCA na hora da outorga de espaços durante a
campanha eleitoral. Aí existe uma instância de pluralismo que se deu ao
natural quando não havia ocorrido nunca. O terceiro, uma recente
resolução da Afsca que diz respeito à aplicação do artículo 49, que é a
instalação de emissoras sem fins lucrativos em áreas vulneráveis. Por
último, a descrição que faz a Relatoria da OEA no relatório deste ano
sobre a situação da liberdade de expressão na Argentina não faz nenhum
alarme que muitos querem acusar, mas que não existe.
Sebastian Abrevaya - Página/12No Carta Maior
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