domingo, 23 de dezembro de 2012

Arquivos ligam trapaças de rede de tv a presidente do México

O livro que conta tudo
 Documentos verificados pelo jornal britânico The Guardian mostram que a maior rede de televisão mexicana vendeu cobertura favorável para políticos proeminentes em seus principais jornais e programas de entretenimento, além de tê-los usado para difamar um popular líder da esquerda.
Os documentos consistem em dezenas de arquivos de computador e foram descobertos apenas algumas semanas após as eleições presidenciais do dia primeiro de julho. Coincidiram com a aparição dos arquivos enérgicos movimentos de protesto que acusavam a Televisa de manipulação da cobertura das eleições em favor do candidato vencedor, Enrique Peña Nieto.
Entres os arquivos, que aparentam remontar ao começo do ano, há:
  • uma descrição das taxas cobradas para tornar nacional a figura de Peña Nieto, então governador do estado de México;
  • uma estratégia midiática evidentemente criada para torpedear a candidatura do esquerdista Andres Manuel López Obrador, maior adversário de Peña Nieto;
  • acordos de pagamento que sugerem um gasto exorbitante de dinheiro público para promover o ex-presidente Vicente Fox.
Embora não tenha sido possível a comprovação da autenticidade dos documentos que foram transmitidos ao Guardian por uma fonte que trabalhava na Televisa, o cruzamento de dados mostra que nomes, datas e circunstâncias mencionados alinham-se amplamente aos acontecimentos.
Essas alegações surgiram num momento crucial para Peña Nieto, o candidato do ideologicamente nebuloso Partido Revolucionário Institucional (PRI): recentes pesquisas de opinião mostram que sua popularidade começa a desfazer-se conforme a atuação da Televisa na campanha se torna uma questão cada vez mais central.
Num país em que o público leitor de jornais é minúsculo e o alcance da internet e da tevê a cabo limita-se às classes médias, a Televisa – e a Tv Azteca, sua rival – exerce uma influência enorme na politica nacional.
Cerca de dois terços dos canais da televisão aberta mexicana pertencem à Televisa, o maior império midiático do mundo hispanofalante. Os documentos aparentam ter sido desenvolvidos pela Radar Servicios Especializados, companhia de marketing dirigida por Alejandro Quintero, vice-presidente da Televisa.
Contatada pelo Guardian, a Televisa declinou esclarecer a relação com a Radar, ou o papel de Quintero nas companhias. Um porta-voz recusou comentar as alegações antes de verificar os documentos. “Nós não podemos opinar sobre informações e documentos que desconhecemos”, disse.
Muitos dos arquivos estavam salvos sob o nome de Yessica de Lamadrid, que à época era empregada da Radar e amante de Peña Nieto.
De Lamadrid contou ao Guardian que pensava serem os documentos falsificações. Ela disse que projetos promocionais em que trabalhou jamais puseram conteúdo à venda.
Um dos arquivos é uma apresentação em PowerPoint que declara ter como objetivo a certeza de que “López Obrador não vença as eleições de 2006”. Ele havia sido criado pouco após a meia-noite do dia 4 de abril de 2005, horas depois do presidente Fox ter se encontrado com os dirigentes da Televisa e da TV Azteca. A contestadíssima eleição terminou com o candidato da esquerda dizendo que foi trapaceado.
Vicente Fox enfrentou muitas críticas após uma tentativa de forçar um impeachmente sobre López Obrador, então prefeito da Cidade do México. Estão descritas no arquivo medidas de curto prazo para conter qualquer repercussão, como um período de luto nacional pela morte do então recém-falecido Papa João Paulo II.
Consta nos arquivos que o objetivo a longo prazo é o “desmantelamento da sensação popular de que López Obrador é um mártir”. As estratégias para isso consistiam em dinamizar a cobertura de crimes na capital e a revisitação de casos de corrupção envolvendo o líder da oposição. O plano também compreendia “veicular histórias pessoais de celebridades vítimas de crime na capital do país” e “insistir com que os participantes do Big Brother contem casos”. Estrelas da Televisa fizeram justamente isso em maio daquele ano.
O documento também sugeria que os roteiristas de um popular programa de sátira política chamado El Privilegio de Mandar representassem López Obrador de maneira “desajeitada” e “inapta”. O episódio final do programa, transmitido durante a apuração, terminava com um ator convidando López Obrador a aceitar a derrota. Um antigo empregado da Televisa, que não é a fonte dos documentos, contou ao Guardian que os comediantes participaram de reuniões na corporação em que a estratégia anti-López Obrador era discutida. “Havia uma estratégia e um cliente que pagava muito dinheiro”, disse a fonte.
A maioria dos outros arquivos mostram estratégias e orçamentos associados a elas.
Eles incluem três planilhas intituladas “Enrique Peña Nieto: Orçamento 2005-2006”. Cada planilha detalha aproximadamente 200 reportagens, entrevistas e programas de entretenimento. A primeira versão estipula o preço dos serviços em 346,326,750 pesos (à época 36 milhões de dólares). O último inclui uma “redução de 50% das taxas”.
Uma folha de papel contendo os mesmos dados foi usada por López Obrador num debate presidencial, no qual ele repetiu que Peña Nieto era um produto televisivo. Peña Nieto e a Televisa sugeriram que o documento - publicado em primeira mão em 2005 pela revista Proceso, de inclinação esquerdista - foi forjado. O documento foi obtido pelo jornalista investigativo Jenaro Villamil, que sempre recusou revelar a identidade de sua fonte. A Televisa acusa Villamil de difamação da companhia.
Perguntada se o estado de México alguma vez pagou pela cobertura da Televisa, a equipe de campanha de Peña Nieto recusou comentar. Numa resposta por escrito, David López, principal assessor de Peña Nieto, disse: “durante o mandato do Enrique Peña Nieto (2005-11), não houve qualquer contrato do tipo”. López acrescentou que “todos os contratos publicitários das atividades do governos estão disponíveis na internet”.
Políticos mexicanos há muito tempo são criticados por gastar prodigamente para promover as realizações de suas administrações. Raúl Trejo, especialista em mídia, disse que as práticas detalhadas nos documentos não são ilegais no México, só antiéticas.
O único documento que oferece minúcias sobre os serviços a serem transmitidos referem-se ao discurso de campanha do presidente Fox, proferida em 1º de setembro de 2005. Encontra-se descrito um “valor acordado” de 60 milhões de pesos que cobre propagandas de tevê, treinamento de mídia para cinco ministros e uma série de cinco entrevistas. O Guardian verificou que pelo menos três das entrevistas aconteceram.
Uma seção refere-se a orçamentos deliberadamente manipulados para ocultar a dimensão dos gastos. O documento diz que, “conforme combinado”, do gabinete presidencial cobrou-se 3 milhões, os outros 57 milhões restantes seriam cobrados quando o próprio “gabinete presidencial nos dizer quais outras partes do governo devem arcar com os serviços”.
Os arquivos ainda contém propostas, orçamentos e materiais promocionais envolvendo políticos como o ex-secretário do estado de Tamaulipas, Tomás Yarrington, acusado por promotores norte-americanos de lavagem de dinheiro para o Cartel del Golfo, organização traficante de drogas mais antiga do país. Advogados de Yarrington negaram as acusações.
Outro político mencionado nos documentos, o ex-senador Demetrio Sodi, disse não saber da estratégia elaborada pela Radar até pouco antes de lançar sua candidatura, ao final fracassada, para prefeito da Cidade do México. Sodi declarou não acreditar que os arquivos sejam forjados, mas insistiu que nunca pagou por cobertura favorável.
Nenhum dos outros ex-governantes citados nos arquivos quis dar entrevistas. A ainda presente onda de protestos contra os truques da mídia recrudesceu no dia 10 de maio, quando a Televisa minimizou um protesto anti-Peña Nieto numa universidade privada onde o presidente discursava – e então fez ampla cobertura insistindo que o protesto foi organizado por encrenqueiros que nem estudantes eram.
Num recente ato, um manifestante carregava uma placa com os dizeres: “nem minha mãe me manipula como a Televisa”.
Enquanto protestos contra a parcialidade da imprensa ganham popularidade, a Televisa esforça-se em provar que sua cobertura é ponderada. O movimento é coberto em detalhes e os âncoras do principal jornal televisivo recentemente entrevistaram Peña Nieto de maneira severa. No ápice das manifestações, um debate presidencial foi transmitido no canal de maior audiência da Televisa, que no debate anterior reservou horário para um show de talentos.
O ex-empregado da Televisa disse que o império midiático promovia satisfeito Peña Nieto quando “ele era o melhor produto”, o compromisso não necessariamente será duradouro. A fonte apontou para o fato de que López Obrador dava-se muito bem com a Televisa antes da campanha. “Nunca perca de vista que estamos falando de negócios. A fidelidade é à posição, não à pessoa”.
Jo Tuckman - The Guardian
Tradução de André Cristi
No Carta Maior

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