sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Risco de choque institucional

Foto Nelson Jr., SCO/STF
Não se sabe até onde nos levará o julgamento do chamado “mensalão”. Contando com estridente respaldo da mídia, granjeou simpatia da população, da sua camada média, de parcela das elites. Mas o Supremo Tribunal Federal, que o protagonizou, tem pela frente interrogações constrangedoras: o mensalão do PSDB foi anterior ao do PT, por que o do PT foi julgado antes?.
O julgamento foi marcado para as vésperas de eleições municipais, e assim influenciou-as. Houve condenações sem provas, a partir da introdução, no curso do julgamento, do novo critério do “domínio do fato”.
Na verdade, o Supremo capitulou a vulgarizações que o diminuíram: o Relator do Processo, Ministro Joaquim Barbosa, mostrou-se vaidoso, irritadiço, descortês para com seus pares e portou-se como um Promotor, não como um Juiz; o Revisor do Processo, Ministro Ricardo Lewandowski, apesar da coragem de levantar o contraditório em ambiente avesso a esse método, também passou, por vezes, a idéia de um advogado de defesa, não de um Juiz.
São problemas que podem se reverter contra a imagem do Supremo, a longo prazo. Mas existem riscos de curto prazo.
O arrebatamento punitivo do STF está levando os senhores Ministros a urdirem uma temerária interferência no Poder Legislativo, para cassar alguns de seus membros. Optam, assim, por corrigir o texto constitucional, supostamente flexível demais, e que poderia ensejar que mandatos não fossem cassados.
A Constituição prevê seis hipóteses para a perda de mandato de parlamentar. (Art. 55). Especifica que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado”. Em nenhum momento admite a eventualidade do Supremo decidir sobre cassação de parlamentar.
O Ministro Marco Aurélio, que já sustentou lúcidas posições na vida do Supremo, permitiu-se fazer leitura irônica do texto constitucional, procurando mostrá-lo como pouco consistente para cassar mandatos.
Fui constituinte, da Comissão de Sistematização e da Comissão de Redação do texto final. Havia sim, na Constituinte, a idéia de se fechar os caminhos para procedimentos que a ditadura tinha usado à saciedade, como a cassação de mandatos.
Na ditadura quem cassava era o Executivo. Em tempos mais antigos, em maio de 1947, foi o Tribunal Superior Eleitoral que cassou a legenda do Partido Comunista do Brasil, PCB.
Mas, mesmo aí, os mandatos dos parlamentares comunistas só foram extintos a partir da votação de um projeto na Câmara, em 10 de janeiro de 1948.
O constituinte de 1988 realmente esmerou-se para que o caminho de cassação de mandatos fosse tolhido, pois que, na história do Brasil, esse sempre foi o caminho do arbítrio. Nem o Executivo nem o Judiciário poderiam cassar mandatos.
Parlamentares deveriam ser condenados criminalmente e, nesse caso, a Constituição diz que “perderá o mandato… quem sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.
Mas, pela Constituição, “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados”. (Art. 55, §2º).
A Constituição não pode ser desrespeitada. O Supremo pode condenar criminalmente parlamentares e enviar o ato à consideração do Legislativo.
Este deve deliberar e assumir suas responsabilidades. Mas se o Supremo resolver cassar, a Câmara não pode resolver atendê-lo.
Seria uma desmoralização da Câmara, seria acatar que o Supremo pode corrigir a Constituição.
Há 24 anos essa Constituição foi promulgada. Ainda que tenha defeitos e insuficiências, é uma constituição avançada. Com ela a democracia tem se desenvolvido entre nós.
Corre o risco de estarmos agora à beira da primeira crise institucional séria, envolvendo Poderes.
É preciso sensatez e prudência, que às vezes exige coragem, para recuar, para não admitir.
O desejo maior é de que o Supremo não nos conduza a essa dramática situação.
Haroldo Lima  foi constituinte em 1987/8 e Diretor geral da Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis
No Viomundo

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