Em
audiência pública na Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação
e Informática da Câmara dos Deputados, realizada em 12 de dezembro
último, o presidente da Associação Brasileira de Empresas e
Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, defendeu que 30%
das verbas publicitárias do governo federal sejam destinadas às
pequenas empresas de mídia.
Dirigentes da Altercom também estiveram em audiência com a ministra da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR),
Helena Chagas, para tratar da questão da publicidade governamental.
Eles argumentam que o investimento publicitário em veículos de pequenas
empresas aquece toda a cadeia produtiva do setor. Quem contrata a
pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência
publicitária, a pequena produtora de vídeo, são os veículos que não
estão vinculados aos oligopólios de mídia.
Além disso, ao reivindicar que 30% das verbas publicitárias sejam
dirigidas às pequenas empresas de mídia, a Altercom lembra que o
tratamento diferenciado já existe para outras atividades, inclusive está
previsto na própria lei de licitações (Lei nº 8.666/1993).
Dois exemplos:
1.
Na compra de alimentos para a merenda escolar, desde a Lei nº
11.947/2009, no mínimo 30% do valor destinado por meio do Programa
Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo de Desenvolvimento da
Educação, do Ministério da Educação, gestor dessa política, deve ser
utilizado na aquisição “de gêneros alimentícios diretamente da
agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas
organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as
comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.
2.
No Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento
da atividade audiovisual, criado pela Lei nº 11.437/2006 e
regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, a distribuição de recursos
prevê cota de participação para as regiões onde o setor é mais frágil.
Do total de recursos do FSA, 30% precisam ser destinados ao Norte,
Nordeste e Centro Oeste. Vale dizer, não se podem destinar todos os
recursos apenas aos estados que já estão mais bem estruturados (ver aqui, acesso em 11/1/2013).
A regionalização das verbas oficiais
A reivindicação da Altercom é consequência da aparente alteração do
comportamento da Secom-PR em relação à chamada mídia alternativa.
A regionalização constitui diretriz de comunicação da Secom-PR,
instituída pelo Decreto n° 4.799/2003 e reiterada pelo Decreto n° 6.555/
2008, conforme seu art. 2°, X:
“Art. 2º – No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação
previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de
acordo com as características da ação:
“X – Valorização de estratégias de comunicação regionalizada.”
Dentre outros, a regionalização tem como objetivos “diversificar e desconcentrar os investimentos em mídia”.
De fato, seguindo essa orientação a Secom-PRtem ampliado continuamente o
número de veículos e de municípios aptos a serem incluídos nos seus
planos de mídia. Os quadros abaixo mostram essa evolução.
Trata-se certamente de uma importante
reorientação histórica na alocação dos recursos publicitários
oficiais, de vez que o número de municípios potencialmente cobertos
pulou de 182, em 2003, para 3.450, em 2011, e o número de veículos de
comunicação que podem ser programados subiu de 499 para 8.519, no mesmo
período.
Duas observações, todavia, precisam ser feitas.
Primeiro, há de se lembrar que “estar cadastrado” não é a mesma coisa
que “ser programado”. Em apresentação que fez na Confederação Nacional
dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), São Paulo, em 16 de
julho de 2009, o ex-secretário executivo da Secom-PR Ottoni Fernandes
Júnior, recentemente falecido, citou como exemplo de regionalização
campanha publicitária em que chegaram a ser programados 1.220 jornais e
2.593 emissoras de rádio – 64% e 92%, respectivamente, dos veículos
cadastrados.
Segundo e, mais importante, levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo,
a partir de dados da própria Secom-PR, publicado em setembro de 2012,
revela que nos primeiros 18 meses de governo Dilma Rousseff (entre
janeiro de 2011 e julho de 2012), apesar da distribuição dos
investimentos de mídia ter sido feita para mais de 3.000 veículos, 70%
do total dos recursos foram destinados a apenas dez grupos empresariais
(ver “Globo concentra verba publicitária federal”, CartaCapital, 13/9/2012, acesso em 12/1/2013).
Vale dizer, o aumento no número de veículos programados não
corresponde, pelo menos neste período, a uma real descentralização dos
recursos. Ao contrário, os investimentos oficiais fortalecem e
consolidam os oligopólios do setor em afronta direta ao parágrafo 5º do
artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que reza:
“Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de oligopólio ou monopólio”.
Democracia em jogo
A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a
grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de
audiência e CPM (custo por mil). A prevalecerem esses critérios, ela
estará sufocada financeiramente, no curto prazo.
Trata-se, na verdade, da observância (ou não) dos princípios liberais da pluralidadee da diversidadeimplícitos
na Constituição por intermédio do direito universal à liberdade de
expressão, condição para a existência de uma opinião pública republicana
e democrática.
Se cumpridos
esses princípios (muitos ainda não regulamentados), o critério de
investimentos publicitários por parte da Secom-PR deve ser “a máxima
dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais
vozes sejam ouvidas e participem ativamente do espaço público.
Como diz a Altercom, há justiça em tratar os desiguais de forma
desigual e há de se aplicar, nas comunicações, práticas que já vêm sendo
adotadas com sucesso em outros setores. Considerada a centralidade
social e política da mídia, todavia, o que está em jogo é a própria
democracia na qual vivemos.
Não seria essa uma razão suficiente para o governo federal apoiar a mídia alternativa?
Venício A. de Lima,
jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de
Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um
Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012,
entre outros livros
No Observatório da Imprensa
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