Londres - A contração econômica da Alemanha no último trimestre de 2012 e
a redução oficial das projeções de crescimento para este ano são um
novo golpe para a zona do euro. Segundo o Escritório Federal de
Estatísticas da Alemanha a contração foi de 0,5%. Segundo o Banco
Central alemão, a economia crescerá 0,4% este ano, muito menos do que o
1,6% previsto em cálculos anteriores. Na primeira metade do ano passado o
crescimento alemão evitou uma recessão do conjunto da eurozona. É óbvio
que as coisas estão mudando.
A crise dos países do sul da zona do euro está alcançando a Alemanha e
apagando a ilusão de um desacoplamento graças à mítica eficiência
produtiva germânica. Em 2009, a Alemanha sofreu uma contração de 5% como
consequência da crise mundial, mas em 2010 e 2011 teve uma rápida
recuperação com um crescimento de 4,2% e 3% respectivamente. A queda foi
abrupta na segunda metade do ano passado e deixou o Produto Interno
Bruto (PIB) alemão com um anêmico aumento de 0,7%. Em declarações ao
Financial Times nesta quarta-feira o presidente do governo da Espanha,
mariano Rajoy, que aceitou o plano de ajuste em seu país, pediu às
nações credoras da eurozona que ponham em marcha políticas de estímulo
ao crescimento. “Este é o momento de colocar em marcha essas políticas.
Está claro que não se pode pedir a Espanha que adote políticas de
expansão, mas sim aos países da zona do euro que estão em condições de
fazê-lo”, afirmou.
Um dado deveria favorecer esta mudança. Segundo o mesmo Escritório de
Estatísticas, a Alemanha obteve um superávit fiscal de 0,1%, o primeiro
desde 2007. Mas o ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schauble
reafirmou, terça-feira à noite, a posição de austeridade de seu governo.
As duas eurozonas
Desde o estouro da crise da dívida na Grécia em 2010, a zona do euro vem
apresentando uma história de realidades paralelas. Enquanto os PIGS
(Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) afundavam na recessão, a Alemanha,
segundo exportador mundial depois da China, crescia graças suas vendas
ao exterior. Segundo Marie Dirone, economista sênior da consultora
internacional Ernest and Young, os novos dados provam que a Alemanha não
pode se desvencilhar do destino de seus vizinhos. “Durante um certo
tempo causou assombro a capacidade alemã para resistir à debilidade do
sul da Europa com a diversificação de suas exportações para a China e
outros mercados emergentes. Está claro que isso tem limites. A Alemanha
está sentindo a queda da demanda nos outros países da zona do euro”,
assinalou à Carta Maior.
Não chega a surpreender. A metade das exportações alemãs tem como
destino os países da zona do euro. O dado se reflete nas estatísticas
oficiais. O setor exportador, que representa mais da terça parte do PIB
alemão, sofreu uma queda abrupta no último trimestre do ano passado.
Esta queda arrastou a zona do euro que terminou 2012 em recessão (dois
trimestres consecutivos de contração).
Os novos dados oficiais mostram também que o euro segue sofrendo do
desequilíbrio estrutural entre economias muito distintas, o que vem
colocando em perigo o projeto da moeda única europeia. Entre Alemanha ou
França e Grécia ou Portugal sempre houve um abismo de produtividade e
competitividade. Estas diferenças não eram incorrigíveis. No coração do
projeto pan-europeu estava a ideia de homogeneizar economias diversas
por meio do investimento público nas zonas mais atrasadas.
Mas o euro nasceu em meio à grande festa financeira. Graças à moeda
única, os países da periferia, os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e
Espanha), tiveram uma taxa de juro muito baixa que financiou bônus de
investimento e consumo pagos com um crescente endividamento. O resultado
foi que os países do norte europeu exportaram e os do sul consumiram
com base em um déficit de conta corrente. O ajuste decidido pelo governo
alemão socialdemocrata de Gerhard Schroeder em 2003 aprofundou o
desequilíbrio: os salários alemães tiveram uma estagnação relativa aos
do Sul que encareceu os produtos que vinham dos PIGS.
O ajuste unidimensional
Segundo uma escola de pensamento, sendo a zona do euro uma unidade, o
desequilíbrio não deveria importar tanto: a queda de uma região seria
compensada pelo crescimento de outra. Mas o especialista alemão da
London School of Economic, Henning Meyer, opina que a unidade da zona do
euro é uma ficção sem mecanismos concretos que compensem os
desequilíbrios. “A zona do euro não tem transferências fiscais que
compensem a queda de uma região. E a política que está sendo
impulsionada no conjunto da região é exatamente a contrária a um
mecanismo desta natureza. Há um ajuste assimétrico pelo qual os países
que têm déficit estão adotando políticas recessivas enquanto que os
países que apresentam superávit não estão adotando políticas
expansivas”, disse Meyer à Carta Maior.
A chanceler alemã Angela Merkel é a grande papisa da austeridade na zona
do euro em meio a uma contração que começa a afetar os interesses do
poderoso setor exportador alemão. Estes programas de ajuste, que o
jornal espanhol El País batizou como “austericídio”, são uma corda no
pescoço que o governo alemão segue apertando. É preciso reconhecer que o
fundamentalismo alemão é coerente. Há duas semanas, o ministro de
Finanças, Wolfgang Schauble assinalou que a própria Alemanha necessita
de um ajuste fiscal.
Isso dependerá muito do que ocorrer com sua economia. O fantasma que
começa a rondar entre os analistas é a possibilidade de uma recessão
alemão. A este fantasma econômica se somam as eleições de setembro, nas
quais a chanceler Merkel tem que renovar seu mandato. “A Alemanha tem
vivido em um mundo paralelo no qual a crise da zona do euro era uma
coisa que se via pela televisão. Se a economia alemã se deteriorar, isso
pode ter um forte impacto no resultado das eleições, na política
adotada e no conjunto da eurozona”, disse Meyer à Carta Maior.
Marcelo JustoTradução: Katarina Peixoto
No Carta Maior
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