O mundo de Jabor
Ele se dá ares martirizados de dissidente soviético quando tem vida mansa de aposentado escandinavo
O Mundo de Jabor, a julgar pelos seus textos, é sombrio. Nele, o Brasil
“está evoluindo em marcha à ré”, para usar uma expressão de uma
coluna.
“Só nos resta a humilhante esperança de que a democracia prevaleça”, já escreveu ele.
Bem, vamos aos fatos. Primeiro, e acima de tudo, se não vivêssemos numa
democracia plena os artigos de Jabor não seriam publicados e ele não
teria vida tão tranquila para fazer palestras tão bem remuneradas em
que expõe às pessoas seu universo gótico, em que brasileiros incríveis
como ele devem se preparar para a guerra caso queiram a paz. Esta é
outra expressão de um texto dele.
Comprar armas? Estocar comida? Construir um abrigo antibombas? Fazer um
curso de guerrilha? Pedir subsídios para a CIA? Talvez um dia Jabor
explique o que é se preparar para a guerra.
Já escrevi muitas vezes que o Brasil sob Lula perdeu uma oportunidade
de crescer a taxas chinesas. Já escrevi também que os avanços sociais
nestes dez anos de PT, embora relevantes e inegáveis, poderiam e
deveriam ter sido maiores. Mas somos hoje um país respeitado
globalmente. Passamos muito bem pela crise financeira global que
transtornou tantos países e deixou bancos enormes de joelhos.
Temos problemas para resolver? Claro. Corrupção é um deles? Sem dúvida.
Mas entendamos: a rigor, onde existe política, a possibilidade de
corrupção é enorme. No Brasil. Na China. Na França. Nos Estados Unidos.
Na Inglaterra. Na Itália. Em todo lugar. Citei estes países apenas
porque, recentemente, grandes escândalos sacudiram seu mundo político.
Na admirada França, o ex-presidente Sarkozy é suspeito de ter recebido
dinheiro irregularmente da dona da L’Oreal.
O problema na corrupção política é a falta de punição. Não me parece
que seja o caso do Brasil. Antes, sim. No ditadura militar, a corrupção
era muito menos falada, vigiada e punida.
O maior cuidado hoje é saber se não se está explorando o “mar de lama”
da corrupção com finalidades cínicas e inconfessáveis, como aconteceu
em 1954 e em 1964. O moralismo exacerbado costuma esconder vícios
secretos.
A choradeira melodramática de Jabor não ajuda a causa que ele defende.
Jabor representa a direita política. Para persuadir as pessoas de que
suas idéias são corretas, são necessários argumentos melhores do que os
que ele apresenta.
O primeiro ponto é que muito pouca gente acredita que o Brasil descrito
por Jabor é o Brasil de verdade. Basta tirar os olhos de sua coluna e
colocá-los na rua. A realidade é diferente. Há sol onde na prosa
jaboriana parece só existir treva. Jabor se dá ares de dissidente
cubano quando tem padrão de vida — e de liberdade — escandinavo.
Jabor parece estar preparado não para a guerra, mas para permanecer no
papel enfadonho e ranzinza de mártir, de vítima impotente de um país
que, se fosse tão ruim assim, ele já teria trocado por outro, como fez
Paulo Francis. Esse papel pode ser bom para palestras. Segundo um site
que agencia palestras, “o palestrante Arnaldo Jabor mostra-se
extremamente habilidoso ao aliar citações eruditas a uma visão crítica
da realidade brasileira”.
Mas a choradeira não é boa sequer para a própria causa que ele defende —
uma economia à Ronald Reagan em que o mercado não tenha freios ou
limitações. Para erguer esse universo, são necessários argumentos
inteligentes — e não pragas como as usuais. “Malditos sejais, ó
mentirosos e embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que
vossas línguas mentirosas se transformem em cobras peçonhentas que se
enrosquem em vossos pescoços, e vos devorem a alma.”
Tenho a sensação de que os editores de Jabor no Estado e no Globo não
conversam com ele sobre o que ele vai escrever. Acho que deveriam. Às
vezes um simples “calma, está tudo bem” resolve. Uma conversa prévia
seria útil para Jabor, a causa, o leitor e o debate.
No Diário do Centro do Mundo
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