Galbraith, com sua fina ironia, costumava dizer que, em matéria
econômica, não se devia levar muito a sério a opinião de quem tem
interesse próprio em jogo. Ainda há pouco assisti no Jornal da Globo a
uma “especialista” culpando o intervencionismo do Governo pela queda das
ações das empresas do setor elétrico: ela estava visivelmente indignada
com a decisão governamental de reduzir as tarifas elétricas.
J. Carlos de Assis, Carta Maior
O jornalismo econômico brasileiro, a exemplo do norte-americano, está
dominado pela opinião de economistas de bancos e de grandes corporações.
Eventualmente, aparece um professor ou um especialista independente
para fazer algum comentário, mas em tempo ou espaço suficientemente
curtos para não permitir mais do que legitimar a presença dominante dos
primeiros nos noticiários de jornal e televisão. Com isso a sociedade
acaba com uma visão distorcida da economia política, mascarada que fica
pelo viés dos negócios de curto prazo.
Galbraith, com sua fina ironia, costumava dizer que, em matéria
econômica, não se devia levar muito a sério a opinião de quem tem
interesse próprio em jogo. Ainda há pouco assisti no Jornal da Globo a
uma “especialista” culpando o intervencionismo do Governo pela queda das
ações das empresas do setor elétrico: ela estava visivelmente indignada
com a decisão governamental de reduzir as tarifas elétricas, afetando a
rentabilidade das empresas do setor, e não fez qualquer menção ao que
isso representava de positivo para a sociedade e a economia. Claro, ela
ou sua empresa certamente tem ações das elétricas!
Sou de um tempo em que, no jornalismo econômico, se separava claramente
negócios de economia política. Fui subeditor de economia do Jornal do
Brasil na segunda metade dos anos 70, e, depois, repórter de economia da
Folha na primeira metade dos anos 80: não me lembro de uma única vez,
nesses dois jornais, em que, por iniciativa própria ou por instrução da
direção, tenha entrevistado um economista de banco. É verdade que, na
cobertura de bolsa, havia repórteres que se referiam a “fontes” não
identificadas para empurrar ações para cima ou para baixo. Mas isso não
era economia política. Era corrupção mesmo.
Em 1978, meu editor no JB era Paulo Henrique Amorim. Ele tirou as greves
do ABC das páginas de Polícia e as trouxe para a Economia. Fui
encarregado de editá-las. Foram 40 dias e 40 noites de greve, o tempo
das chuvas de Noé, em plena ditadura. A gente sentia que era algo
importante, mas não podíamos adivinhar que ali estava o início do fim do
autoritarismo. Quais eram os nossos entrevistados na época? Empresários
com liderança no setor, líderes trabalhistas, economistas
independentes, professores, ex-ministros, autoridades etc etc. Não se
ouvia economista de banco que viesse a defender como se fosse de
interesse geral assunto de seu interesse.
Na imprensa norte-americana, quando alguém que tem interesses
específicos trata de assuntos econômicos de interesse geral, é costume
identificá-lo como interessado imediato. Há um certo escrúpulo em
misturar as duas coisas. Claro, ninguém põe em dúvida que um jornal de
direita, como Wall Street Journal, ou liberal, como The New York Times,
defendam no essencial os interesses capitalistas. Mas isso é feito
abertamente, nas páginas editoriais, e não de forma camuflada numa
entrevista ou num artigo vendido como de interesse geral. Nesse último
caso, prevalece a opinião dos ideólogos, não dos economistas de mercado.
Há uma diferença sutil entre as duas formas de jornalismo: uma coisa é
deduzir o interesse específico do interesse geral, e outra, bem
diferente, é inferir o interesse geral a partir do interesse específico.
No primeiro caso, há uma justificação ideológica de princípio do
interesse particular no contexto mais amplo do capitalismo. É a forma
padrão americana. Noutro, há uma racionalização do interesse geral a
partir do particular. Trata-se de um jornalismo econômico mais primitivo
que se traduz por uma manipulação ideológica disfarçada já que evita
apresentar-se como defesa pura e simples do sistema capitalista.
Há um nível de manipulação ideológica menos disfarçado, sobretudo em
televisão, quando âncoras de noticiário assumem, eles próprios, a
“interpretação” das notícias dando-lhes maior ou menor ênfase de acordo
com seu juízo subjetivo. Sabemos que aquilo é um teatro, pois tudo foi
preparado e escrito previamente, mas da forma como aparece na tela o
teatro sugere o mundo real.
Aqui, de novo, é o Jornal da Globo (tardio, portanto mais dedicado às
elites) que me vem à mente: ao noticiar a inflação do ano passado,
William Waack, que pessoalmente não parece entender nada de economia
(sei disso porque trabalhamos um curto espaço de tempo juntos, no
passado), fez um editorial agressivo contra o Governo, como se tivesse
havido total descontrole dos preços. No entanto, como se sabe, a
inflação esteve perfeitamente dentro da normalidade em função das
margens da meta. A diatribe não passou de uma agressividade gratuita em
relação a uma política econômica que, se não está totalmente correta,
pode ser consertada numa direção que, por certo, não é a direção que
William Waack quer.
(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor,
entre outros livros, de “A Razão de Deus”, editado pela Civilização
Brasileira.
Leia mais em: Blog Sujo : A opinião econômica particular vendida como de interesse geral
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