Santayana: Gilmar não é o Supremo ! Supremo, aja !
Mauro Santayana
Engana-se o Sr. Gilmar Mendes,
quando denuncia uma articulação conspiratória contra o Supremo Tribunal
Federal, nas suspeitas correntes de que ele, Gilmar, se encontra
envolvido nas penumbrosas relações do Senador Demóstenes Torres com o
crime organizado em Goiás.
A articulação conspiratória contra o
Supremo partiu de Fernando Henrique Cardoso, quando indicou o seu nome
para o mais alto tribunal da República ao Senado Federal, e usou de todo
o rolo compressor do Poder Executivo, a fim de obter a aprovação.
Registre-se que houve 15 manifestações contrárias, a mais elevada
rejeição em votações para o STF nos anais do Senado.
Com todo o respeito pelos títulos
acadêmicos que o candidato ostentava – e não eram tão numerosos, nem tão
importantes assim – o Sr. Gilmar Mendes não trazia, de sua experiência
de vida, recomendações maiores. Servira ao Sr. Fernando Collor, na
Secretaria da Presidência, e talvez não tenha tido tempo, ou interesse,
de advertir o Presidente das previsíveis dificuldades que viriam do
comportamento de auxiliares como P.C. Farias. Afastado do Planalto
durante o mandato de Itamar, o Sr. Gilmar Mendes a ele retornou, como
Advogado Geral da União de Fernando Henrique Cardoso. Com a
aposentadoria do ministro Néri da Silveira, Fernando Henrique o levou ao
Supremo. No mesmo dia em que foi sabatinado, o jurista Dalmo Dallari
advertiu que, se Gilmar chegasse ao Supremo, estariam “correndo sério
risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a
própria normalidade constitucional”. Pelo que estamos vendo, Dallari
tinha toda a razão.
Gilmar, como advogado geral da União – e
o fato é conhecido –, recomendara aos agentes do Poder Executivo não
cumprirem determinadas ordens judiciais. Como alguém que não respeita as
decisões da justiça pode integrar o mais alto tribunal do país? Basta
isso para concluir que Fernando Henrique, ao nomear o Sr. Gilmar Mendes,
demonstrou o seu desprezo pelo STF. O Supremo, pela maioria de seus
membros, deveria ter o poder de veto em casos semelhantes.
Esse comportamento de desrespeito –
vale lembrar – ocorreu também quando o Sr. Francisco Rezek renunciou ao
cargo de Ministro do Supremo, a fim de se tornar Ministro de Relações
Exteriores, e voltou ao alto tribunal, re-indicado pelo próprio Collor. O
episódio, tal como a posterior indicação de Gilmar, trouxe
constrangimento à República. Ressalve-se que os conhecimentos jurídicos
de Rezek, na opinião dos especialistas, são muito maiores do que os de
Gilmar. Mas se Rezek não servia como chanceler, por que deveria voltar
ao cargo de juiz a que renunciara? São atos como esses, praticados pelo
Poder Executivo, que atentam contra a soberania da Justiça, encarnada
pelo alto tribunal.
A nação deve ignorar o esperneio do Sr.
Gilmar Mendes. Ele busca a confusão, talvez com o propósito de desviar a
atenção do país das revelações da CPI. O Congresso não se deve
intimidar pela arrogância do Ministro, e levar a CPMI às últimas
conseqüências; o STF deve julgar, como se espera, o processo conhecido
como mensalão, como está previsto. Acima dos três personagens envolvidos
na conversa estranha que só o Sr. Mendes confirma, lembremos o aviso
latino, de que testis unus, testis nullus, está a Nação, em sua
perenidade. Está o povo, em seus direitos. Está a República, em suas
instituições.
O Sr. Gilmar Mendes não é o Supremo,
ainda que dele faça parte. E se sua presença naquele tribunal for danosa
à estabilidade republicana – sempre lembrando a forte advertência de
Dallari – cabe ao Tribunal, em sua soberania, agir na defesa clara da
Constituição, tomando todas as medidas exigidas. Para lembrar um autor
alemão, Carl Schmitt, que Gilmar deve conhecer bem, soberano é aquele
que pratica o ato necessário.
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