quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

                                                VERISIMO

                                Saudades de Ted Boy Marino.


Alguma coisa aconteceu no coração do Brasil quando acabaram com as lutas de “catch”. Elas eram sucesso na TV e seus astros viajavam em caravana pelo país, apresentando-se em ginásios e circos. As lutas não eram lutas eram teatros. Não eram exatamente combinadas, mas seguiam um roteiro estabelecido e existia um acordo tácito de que ninguém sairia do ringue machucado, mesmo que saísse arremessado.  O roteiro básico não variava: era os bons contra os maus, e os bons sempre ganhavam. Ou só perdiam quando o adversário traiçoeiro recorria com um golpe especialmente baixo, sob uivos de raiva da platéia. E a reação da platéia fazia parte do teatro.
Havia uma suspensão voluntária de descrença, e todos torciam pelo Bem contra o Mal – ou pelo bonito contra o feio, o esbelto contra o barrigudo, o correto contra o falso  - com um fervor que não excluía a consciência de que tudo era encenação.
  Era fácil distinguir os bons e os maus.
Os bons eram atletas como Ted Boy Marino, caráter tão irretocável quanto os seus cabelos loiros, que lutava limpo. Os maus tinham nomes como Verdugo e Rasputin e comportamento correspondente ao nome. Lembro de um Homem Montanha, que mais de uma vez derrubou o juiz junto com o adversário. E não havia um tigre paraguaio? Os bons começavam apanhando e, quando parecia que estavam liquidados e que o Mal triunfaria, vinha a eletrizante reação, durante a qual o inimigo pagava por todas as suas maldades. Humilhação e vingança, nada na história do teatro é tão antigo e tão eficaz. Nove entre dez novelas de televisão têm o mesmo enredo.
  Não sei se ainda fazem espetáculos de “catch” pelo interior do país. Hoje na TV o que se vê é o “ultimate fighting”, ou “mixed martial arts”, dois lutadores simbolizando nada trocando socos e pontapés sem simulação, quando não se engalfinham no chão como um bicho de duas costas e oito patas em convulsão. Nessas lutas não vale, exatamente, tudo - parece que esgoelar o outro e xingar a mãe não pode. Mas é o “catch” despido da fantasia, com sangue de verdade. Não há mais mocinho e vilão, apenas duas máquinas de brigar, brigando. Nem Ted Boy Marino nem Homem Montanha, apenas a violência em estado puro, sei não, acho que empobrecemos.
Publicado Pelo Jornal O Globo em OPINIÃO 26/01/2012
Nota do autor deste blog:
   Caro Verissimo .
Não somente empobrecemos como também nos estupidificamos, “emburrecemos”  e nos desumanizamos. A violência se banalizou.
Valeu pelo mês todo, pagar R$ 40, 00 (quarenta reais) de assinatura do Globo para ler esta crônica do poeta Verissimo. Até que enfim, alguém deste quilate e expoente se pronuncia. Pensei que só eu via o que Verissimo com transparência solar acaba de descrever. Parabéns.
Abaixo artigo de minha autoria sobre o assunto publicado em fevereiro neste blog.


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