Blog do Emir Sader
Os tucanos nasceram de forma contingente na política brasileira, apontaram para um potencial forte, tiveram sucesso por via que não se esperava, decaíram com grande rapidez e agora chegam a seu final.
Os tucanos nasceram de setores descontentes do PMDB, basicamente de São
Paulo, com o domínio de Orestes Quércia sobre a secção paulista do
partido. Tentaram a eleição de Antônio Ermírio de Morais, em 1986, pelo
PTB, mas Quércia os derrotou.
Se articularam então para sair do PMDB e formar um novo partido que,
apesar de contar com um democrata–cristão histórico, Franco Montoro,
optou pela sigla da social democracia e escolheu o símbolo do tucano,
para tentar dar-lhe um caráter brasileiro.
O agrupamento foi assim centralmente paulista, incorporando a alguns
dirigentes nacionais vinculados a esse grupo, como Tasso Jereisatti,
Álvaro Dias, Artur Virgílio, entre outros. Mas o núcleo central sempre
foi paulista – Mario Covas, Franco Montoro, FHC .
A candidatura de Covas à presidência foi sua primeira aparição pública
nacional. Escondido atrás do perfil de candidatos como Collor, Lula,
Brizola, Uysses Guimarães, Covas tentou encontrar seu nicho com um lema
que já apontava para o que terminariam sendo os tucanos – Por um choque
de capitalismo.
O segundo capítulo da sua definição ideológica veio no namoro com o
governo Collor, que se concretizou na entrada de alguns tucanos no
governo - Celso Lafer, Sérgio Rouanet. Se revelava a atração que a
“modernização neoliberal” tinha sobre os tucanos. O veto de Mario Covas
impediu que os tucanos fizessem o segundo movimento, de ingresso formal
no governo Collor - o que os teria feito naufragar com o impeachment e
talvez tivesse fechado seu posterior caminho para a presidência.
Mas o modelo que definitivamente eles seguiram veio da Europa, da
conversão ideológica e política dos socialistas franceses no governo de
Mitterrand e no governo de Felipe Gonzalez na Espanha. A social
democracia, como corrente, optava por uma adesão à corrente neoliberal,
lançada pela direita tradicional, à que ela aderia, inicialmente na
Europa, até chegar à América Latina.
No continente se deu um fenômeno similar: introduzido por Pinochet sob
ditadura militar, o modelo foi recebendo adesões de correntes
originariamente nacionalistas - o MNR da Bolívia, o PRI do México, o
peronismo da Argentina – e de correntes social democratas – Partido
Socialista do Chile, Ação Democrática da Venezuela, Apra do Peru, PSDB
do Brasil.
Como outros governantes das correntes aderidas ao neoliberalismo – como
Menem, Carlos Andrés Peres, Ricardo Lagos, Salinas de Gortari -, no
Brasil os tucanos puderam chegar à presidência, quando a América Latina
se transformava na região do mundo com mais governos neoliberais e em
suas modalidades mais radicais.
O programa do FHC era apenas uma pobre adaptação do mesmo programa que o
FMI mandou para todos os países da periferia, em particular para a
América Latina. Ao adotá-lo, o FHC reciclava definitivamente seu partido
para ocupar o lugar de centro do bloco de direita no Brasil, quando os
partidos de origem na ditadura – PFL, PP – tinham se esgotado. (Quando o
Collor foi derrubado, Roberto Marinho disse que a direita já não
elegeria mais um candidato seu, dando a entender que teriam que buscar
alguém fora de suas filas, o que se deu com FHC.)
O governo teve o sucesso espetacular que os governos neoliberais tiveram
em toda a América Latina no seu primeiro mandato: privatizações, corte
de recursos públicos, abertura acelerada do mercado interno,
flexibilização laboral, desregulamentações. Contava com 3/5 do Congresso
e com o apoio em coro da mídia. Como outros governos também, mudou a
Constituição para ter um segundo mandato.
Da mesma forma que outros, conseguiu ser reeleger, já com dificuldades,
porque seu governo havia projetado a economia numa profunda e prolongada
recessão. Negociou de novo com o FMI, foi se desgastando cada vez mais
conforme a estabilidade monetária não levou à retomada do crescimento
econômico, nem à melhoria da situação da massa da população e acabou
enxotado, com apoio mínimo e com seu candidato derrotado.
Aí os tucanos já tinham vivido e desperdiçado seu momento de glória.
Estavam condenados a derrotas e à decadência. Se apegaram a São Paulo,
seu núcleo original, desde onde fizeram oposição, muito menos como
partido – debilitado e sem filiados – e mais como apêndice pautado e
conduzido pela mídia privada.
Derrotado três vezes sucessivas para a presidência e perdendo cada vez
mais espaços nos estados, o PSDB chega a esta eleição aferrado à
prefeitura de São Paulo, onde as brigas internas levaram à eleição de um
aliado, que teve péssimo desempenho.
Os tucanos chegam a esta eleição jogando sua sobrevivência em São Paulo,
com riscos graves de, perdendo, rumarem para a desaparição politica.
Ninguém acredita em Aécio como candidato com possibilidade reais de
vencer a eleição para a presidência, menos ainda o Alckmin. Vai
terminando a geração que deu à luz aos tucanos como partido e
protagonizaram seu auge – o governo FHC – que, pela forma que assumiu,
teve sucesso efêmero e condenou – pelo seu fracasso e a imagem
desgastada do FHC e do seu governo – à desaparição politica.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP - Universidade de São Paulo.
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