Miguel do Rosário: miséria e grandeza nossa de cada dia
Enviado por luisnassif, qua, 19/12/2012 - 08:08
Por Marco Antonio L.
Do O Cafezinho
Miguel do Rosário
A última patacoada do STF, produzindo uma crise entre os poderes, me
fez pensar o seguinte: a observação diária da política brasileira é uma
atividade psicologicamente desgastante. Não seria melhor deixarmos pra
lá? Não seria melhor deixarmos que os debates políticos seguissem sem a
interferência nossa, nós, os liliputianos das redes sociais? Afinal, o
que ganhamos com isso a não ser insultos públicos lançados pela grande
mídia? Merval Pereira, por exemplo, volta meia tenta mexer com nossos
brios, ao descrever o movimento antihegemônico da blogosfera como fruto
de mais um mensalão petista. Um ministro do Supremo, Gilmar Mendes,
abriu processo contra um dos nossos, o querido ator José de Abreu. E os
homens mais ricos e poderosos do país perseguem nossas modestas
lideranças, que são os blogueiros que mais acessamos e gostamos,
tentando lhes destruir a golpes de chicanas jurídicas.
De vez em quando, passaríamos a vista, furtivamente, na capa dos
jornais; mas não arriscaríamos nossa paz de espírito numa briga de
gigantes que parece se dar tão longe do cidadão comum.
A sensação é de total desamparo. Temos um Congresso acovardado, um
STF reacionário, uma mídia extremamente agressiva e conservadora, um
Executivo ausente e silencioso.
Culminando esse processo, ainda temos que lidar com uma nova modinha
nas redes. Figuras posudas, uns por ingenuidade, outros por arrogância,
todos por vaidade, tentam chamar a atenção elegendo a blogosfera
“progressista” como inimiga, sondando-lhe os mínimos tropeços para lhe
causar danos. Estes formam uma espécie de quinta-coluna: travestem-se de
esquerda – de preferência ultra-esquerda – para melhor servir ao status
quo. Compreende-se, embora não se perdoa. Sua postura lhes franqueia
espaços na mídia, ou lhes granjeiam migalhas de popularidade na web.
Não faríamos nada disso, naturalmente, não fossem as compensações de
ordem espiritual; ou para usar um termo mais republicano, compensações
de ordem moral e cívica. É um tanto inexplicável, isso. Por outro lado, é
algo perfeitamente lógico. Afinal, não haveria nenhuma demanda por
democracia não possuíssemos, no interior de nós mesmos, este anseio por
interferir e controlar nosso próprio destino, não apenas individualmente
mas também socialmente.
Ah, a blogosfera. Já nasceu decadente, esfarrapada, irritadiça,
cansada! E no entanto, incrivelmente, tornou-se a última aldeia gaulesa à
resistir ao império romano! Com blogs mal diagramados, gerenciados na
maioria por indivíduos com escassos conhecimentos tecnológicos, com
designs cafonas, poluídos por cores berrantes, propagandas inúteis (que
não dão um centavo) e quase sempre anunciando, com ingenuidade
inacreditável, suas preferências partidárias – eis a “rede de blogs”
onde desembocam as derradeiras esperanças do espírito democrático!
Não há como negar o heroísmo da empreitada!
Agora, por exemplo, lidamos com aquele que, talvez, seja nosso maior
desafio: entender os últimos movimentos do xadrez político. A oposição
conservadora-midiática, depois de perder muitas peças com a derrota
eleitoral no ano passado, sobretudo em São Paulo, conseguiu mobilizar um
poderoso ataque ao instrumentalizar o julgamento do mensalão e seduzir a
maioria dos ministros do STF.
O editorial da
Folha, criticando o STF nessa última decisão, de cassar o mandato de
parlamentares, não passa de jogo de cena. O texto é confuso justamente
por isso. Uma crítica superficial, motivada antes pelo receio de que,
algum dia, o STF se insurja contra aliados, do que por uma preocupação
genuína com a quebra de um princípio basilar da nossa democracia: a
soberania do povo, que se corporifica na inviolabilidade do mandato de
um parlamentar.
Alguns lançam ataques vulgares. “O Congresso estará desmoralizado se
houver ali um representante condenado pela justiça! Como explicar para o
homem comum que um preso possa ao mesmo tempo ser deputado federal!”
Ora, agora mesmo Elio Gaspari – que joga em todos os times – nos
contou que, recentemente (em 1998), a justiça americana autorizou o
condenado a prisão domiciliar Jay Kim, que era deputado federal nos EUA,
a apenas sair de casa para ir ao Congresso, portando uma tornozeleira
eletrônica! Na eleição seguinte, foi cassado, como deve ser, pelos
eleitores. A informação de Gaspari, para início de conversa, desmente a
grosseira observação de Joaquim Barbosa, quando rebateu Lewandowski,
dizendo que isso jamais aconteceria nos EUA, porque, em virtude do poder
dos “meios de comunicação”, o parlamentar condenado renunciaria antes.
O medo dos ministros do STF e da mídia é que algum parlamentar
condenado use a tribuna para atacar a lisura e imparcialidade do
julgamento do mensalão. Entretanto, esta tribuna foi concedida aos
representantes do povo justamente para isso: para que falem, para que
expressem ideias que, erradas ou não, são o que de melhor possuímos para
avaliar a opinião soberana da população brasileira.
A impressão que temos é que eles ganharam essa batalha. Talvez tenham
ganho mesmo. A paranóia em torno da criação de uma frente golpista
formada por mídia e judiciário, as únicas duas grandes instâncias de
poder que não são mediadas pelo sufrágio universal, apenas se agravou.
Permitam-me, todavia, repetir um clichê: é pouco antes do amanhecer
que a noite parece mais escura. A vitória deles foi pírrica, porque se
desgastaram enormemente, enquanto nós, os liliputianos, ganhamos força. E
a nossa miséria, por sua vez, ganhou uma nova injeção de nobreza,
porque cresceu a nossa consciência sobre ela. Como dizia Pascal: “O
homem sabe que é miserável. Ele é, pois, miserável, de vez que o é; mas é
bem grande, de vez que o sabe.”
A gente agora tem uma consciência agudamente dolorosa sobre nossa miséria, porque é realmente uma miséria que o voto de mais de 140 milhões de eleitores de repente não valha mais que a opinião arbitrária, truculenta e anticonstitucional de meia dúzia de ministros do Supremo Tribunal Federal. Deparamos com uma terrível falha democrática, e teremos desde hoje que lidar com mais esse perigo, com mais esse adversário da vontade soberana do povo. Porque um STF autocrático é como um rei absolutista. Se tivermos a sorte de haver juízes bons e comprometidos com a democracia, bem estar social, harmonia entre poderes e estabilidade política, nada melhor do que um STF ultrapoderoso. Se calhar termos juízes corruptos, incompetentes ou manipuláveis por uma mídia antitrabalhista, veremos o desenvolvimento do mais refinado e canalha golpe de Estado da modernidade. Os exemplos de Honduras e Paraguai nos mostram que esse tipo de golpe consegue, facilmente, afirmar-se moral e politicamente, em vista dos apoios que recebe dos poderosos conglomerados midiáticos latinos e do ultrabilionário conservadorismo norte-americano. (Grifo do ContrapontoPIG)
Por isso, não adianta tentarmos nos consolar com a esperança que Dilma indicará um juiz melhor que os anteriores. O problema não é sobre o caráter em si dos juízes e sim amarrar o destino de uma democracia aos altos e baixos de indivíduos que não passaram pelo crivo salutar do sufrágio. Temos que ampliar e oxigenar o STF. Adaptá-lo a uma democracia que é hoje quatro ou cinco vezes maior do que há quarenta anos. É preciso discutir como aperfeiçoar o STF, como deixá-lo mais democrático, fazer com que se torne o que deve ser: uma instância em prol da democracia, e não um órgão frágil, facilmente instrumentalizado por chantagens, ameaças e demais armas de persuasão de grupos de mídia.
A gente agora tem uma consciência agudamente dolorosa sobre nossa miséria, porque é realmente uma miséria que o voto de mais de 140 milhões de eleitores de repente não valha mais que a opinião arbitrária, truculenta e anticonstitucional de meia dúzia de ministros do Supremo Tribunal Federal. Deparamos com uma terrível falha democrática, e teremos desde hoje que lidar com mais esse perigo, com mais esse adversário da vontade soberana do povo. Porque um STF autocrático é como um rei absolutista. Se tivermos a sorte de haver juízes bons e comprometidos com a democracia, bem estar social, harmonia entre poderes e estabilidade política, nada melhor do que um STF ultrapoderoso. Se calhar termos juízes corruptos, incompetentes ou manipuláveis por uma mídia antitrabalhista, veremos o desenvolvimento do mais refinado e canalha golpe de Estado da modernidade. Os exemplos de Honduras e Paraguai nos mostram que esse tipo de golpe consegue, facilmente, afirmar-se moral e politicamente, em vista dos apoios que recebe dos poderosos conglomerados midiáticos latinos e do ultrabilionário conservadorismo norte-americano. (Grifo do ContrapontoPIG)
Por isso, não adianta tentarmos nos consolar com a esperança que Dilma indicará um juiz melhor que os anteriores. O problema não é sobre o caráter em si dos juízes e sim amarrar o destino de uma democracia aos altos e baixos de indivíduos que não passaram pelo crivo salutar do sufrágio. Temos que ampliar e oxigenar o STF. Adaptá-lo a uma democracia que é hoje quatro ou cinco vezes maior do que há quarenta anos. É preciso discutir como aperfeiçoar o STF, como deixá-lo mais democrático, fazer com que se torne o que deve ser: uma instância em prol da democracia, e não um órgão frágil, facilmente instrumentalizado por chantagens, ameaças e demais armas de persuasão de grupos de mídia.
Nada mais divertido (embora trágico), portanto, que esse golpe,
gestado conscientemente por um lado, mas sobretudo sem que os próprios
protagonistas tenham noção exata do que fazem (visto que se trata de um
movimento natural dessa força escura, brutal e totalitária que movimenta
o capitalismo), nada mais curioso que um punhado de blogueiros, com
seus exércitos de talentosos comentaristas, intervenha e atrapalhe seu
desenvolvimento. A explicação é que a força da blogosfera não reside em
seus frágeis atores, mas na justiça histórica que torna sua existência
necessária. Quanto mais o golpismo midiático se fortalece, mais se
fortalecerá a sua sombra: o antigolpismo democrático. É uma lei acima
inclusive das leis, porque fundamentada na fome de independência e
liberdade do espírito humano, e não numa sempre precária constituição
escrita. Eles podem aplicar os golpes que quiserem. Haverá sempre
resistência. O destino dos reis é perderem suas cabeças.
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