Por Mauro Santayana
Só os interessados podem desdenhar a operação de desconstrução do
Estado — e não só do governo — que se encontra em marcha. Os indícios
são claros. O julgamento da Ação 470 saiu dos autos, conforme indica o
comportamento do procurador geral da República e de alguns juízes. Na
véspera das eleições municipais, ele declarou, de forma explícita, a sua
esperança de que o processo influísse no resultado eleitoral. Embora
falasse de modo geral, pensava em São Paulo, e com razão. Como sempre
ocorreu em situações semelhantes, São Paulo tem sido o centro de todas
as conspirações conservadoras no país: é a sede do sistema financeiro e
das grandes empresas estrangeiras que operam no Brasil. E são esses
interesses que estão sendo contrariados pelo atual governo, mais do que
Lula os contrariou.
O resultado do pleito mostra que o povo não se deixou conduzir pelo julgamento, como esperava o procurador, e votou no candidato
à prefeitura de São Paulo indicado por Lula. Os grandes bancos não
deglutiram a queda substantiva dos juros, imposta pelo governo, mediante
a mobilização do setor financeiro estatal. A perda de lucros lhes está
entalada na garganta. E no Brasil, como se sabe, os bancos são também
controladores de grandes empresas, industriais, comerciais e de
serviços.
Quando se toca nos bancos — e isso vem desde os tempos do Império — a
reação pode ser esperada. Todas as vezes que isso ocorreu, fosse
aumentando o recolhimento compulsório de depósitos à vista; fosse
pretendendo reforma bancária, que separasse os bancos de depósitos dos
bancos de investimento; fosse buscando a limitação das remessas de
lucros, para que parte deles se reinvestisse no país, o golpe se armou.
Isso não significa que os responsáveis pelos crimes de peculato, de
lavagem de dinheiro, de corrupção e extorsão, se tais delitos houve,
estejam imunes à punição prevista no Código Penal. Só os néscios por
opção, no entanto, não perceberam a sanha persecutória de alguns
magistrados, que, em seus votos, deixaram o exercício da razão e, ao
deixá-la, comprometeram até mesmo as decisões tomadas.
A menos que tudo não fizesse parte de
um roteiro anterior, é difícil aceitar que o publicitário Marcos Valério
recebesse uma sentença que nem os mais sanguinários assassinos em série
costumam sofrer. Acossado e ameaçado de sofrer, na prisão, e de forma
exacerbada, o que já experimentou no período de prisão provisória, ele
procura, neste momento, envolver todos os que puder envolver, em uma
trama que recria, para sua salvação. O enredo fantástico que imagina é o
fio de Ariadne de que se vale para sair do lôbrego labirinto em que se
encontra.
Todas as peças se encaixam para indicar uma conspiração contra o
Estado Democrático. Como sempre, há o fomento de crise entre dois dos
Três Poderes Republicanos. Desta vez é entre o STF e o Congresso.
O Supremo, por 4 votos contra 4, por enquanto, se arroga o direito de
cassar mandatos parlamentares, o que tem sido prerrogativa
constitucional das duas casas do Congresso. Falta 1 voto para que se
obtenha a maioria, para um caso ou outro. Por isso mesmo, cabe ao
presidente do STF convocar o novo ministro Teori Zavacki. Se ele se acha
impedido de votar na Ação 470, de que não participou, nada o tolhe de
votar nesse caso. Outros fossem os tempos, e a ação não se interromperia
por causa da gripe de um ministro, sobretudo porque tem substituto
natural no mais recente integrante da Corte. E se Celso Mello se
recupera rapidamente, melhor: serão dez juízes a decidir, em lugar de
apenas nove.
É bom que o governo reaja, não em seu favor, mas em defesa da República ameaçada
Dilma, em Paris, reagiu, como tantas outras pessoas, contra as novas
acusações de Marcos Valério. Enfim, é bom que o governo reaja, não em
seu favor — dentro de menos de dois anos haverá eleições gerais — mas em
defesa da República ameaçada.
Como disse Cúrzio Malaparte, em Técnica del colpo di Stato, há 81
anos, “da mesma forma que todos os meios são usados para suprimir a
liberdade, também todos os meios são válidos para defendê-la”. E a
liberdade que devemos defender é a de escolher os deputados, senadores,
governadores de estado, além do presidente e do vice-presidente da
República, em outubro de 2014. Se a oposição fosse inteligente,
defenderia o Estado de Direito. Se está convencida de seus méritos, que
espere o pronunciamento das urnas. Democracia é isso: não são os
jornalistas nem os juizes que escolhem os governantes. É o povo, na base
de um voto de cada eleitor.
NOTA: As imagens são de nossa responsabilidade e não constam da matéria originalmente publicada no Jornal do Brasil
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