Gisele Federicce - Brasil 247 –
Já se falou em crise entre poderes, embate e até em não se acatar uma
ordem vinda da corte suprema do País. A verdade é que a decisão do
Supremo Tribunal Federal, concluída nesta segunda-feira 17, de que ele
tem a prerrogativa de cassar os mandatos parlamentares dos réus da Ação
Penal 470 deixou um clima bastante tenso entre Judiciário e Legislativo.
Ao 247, o jurista Luiz Moreira, doutor em Direito pela UFMG e diretor
da Faculdade de Direito de Contagem, em Minas Gerais, afirmou que ela é
histórica, pois marca o dia em que o tribunal se "sobrepôs aos outros
poderes", tomando uma prerrogativa que não pertencia a ele e formando
assim o que ele denomina de "governo de juízes".
O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, afirmou na semana
passada que poderia não cumprir a decisão do STF. Na sessão desta
segunda, viu-se que o ministro Celso de Mello, cujo voto desempatou a
discussão, ficou inconformado com as afirmações. "Reações corporativas
ou suscetibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de
solidariedade não podem justificar afirmações politicamente
irresponsáveis, juridicamente inaceitáveis, de que não se cumprirá
decisão do Supremo revestida da autoridade da coisa julgada", disse o
decano. Segundo ele, "não se pode diminuir o papel do STF e de suas
decisões".
Veremos agora o que pode ocorrer em seguida. Na opinião de Luiz Moreira,
"a Câmara não pode permitir a perda de suas prerrogativas". Um possível
caminho citado por ele seria a criação de uma PEC – Proposta de Emenda à
Constituição – por parte da Casa para explicitar os artigos 15 e 55,
que tratam da perda de mandatos parlamentares. O que não pode, segundo
ele, é se submeter à palavra final da corte suprema ou deixar de cumprir
a determinação do Judiciário. Leia abaixo trechos da entrevista:
O que representa, na sua visão, o fato de o Poder Judiciário decidir que pode cassar o mandato de um parlamentar?
O Supremo hoje confirma uma mudança em seu entendimento de intérprete
fiel da Constituição. Ao determinar diretamente a cassação dos mandatos,
o STF se sobrepôs aos outros poderes, se entendendo acima até da
Constituição. Ou seja, a Constituição é aquilo que o STF diz que é.
Ainda que exista um dispositivo nela própria que determine o contrário.
O ministro Celso de Mello falou que não é possível vislumbrar o
exercício do mandato parlamentar por alguém que perdeu os direitos
políticos. O senhor não concorda?
Essa decisão só seria válida para as candidaturas futuras dos
condenados. Todos os condenados que são parlamentares terão, com
trânsito em julgado, os direitos políticos cassados. Só que os direitos
são aplicados apenas nas próximas eleições. Nesse caso, não se trata de
perda de direito político, isso é uma consequência da condenação da
Constituição. E mesmo assim, o parlamentar, no caso de perda de direitos
políticos, ainda tem direito a defesa no Congresso.
Também foi citado nesta última sessão que o processo contra um
vereador, em 1995, é diferente do julgado hoje, pois o primeiro foi por
crime eleitoral contra a honra, e o segundo por crimes graves contra a
administração pública. Como o senhor vê essa questão?
A Constituição não excepcionou. O argumento dele pra mim não se
justifica. O que ficou claro foi na verdade a posição do Supremo de se
afirmar como a mais importante instituição. Chegou-se a dizer [na sessão
desta segunda-feira 17] que cabe a ele o poder de interpretar a
Constituição. Isso é inaceitável. O poder de interpretar é de todos os
cidadãos. O Supremo só interpreta quando a questão chega aos tribunais.
Os servidores, os parlamentares interpretam a Constituição todos os
dias, é um ato múltiplo. E quem a formula é o Congresso.
O senhor vê autoritarismo nessa fala então?
Autoritarismo não. Eu vejo o propósito de transformar o STF, como disse,
na maior instituição da República, a partir da qual todos os demais se
submetem. É um projeto claro.
Mas este é o pensamento de alguns ministros ou um projeto coletivo, de todo o Judiciário, na sua visão?
É um projeto do constitucionalismo brasileiro, que passou a contornar os
poderes políticos a se autodenominar protagonista da República e que
culmina com a decisão de hoje. Ela é histórica porque marca uma nova
etapa na República brasileira, a de protagonismo do STF, se sobrepondo
ao Legislativo e ao Executivo.
O presidente da Câmara, Marco Maia, falou que não irá cumprir a ordem do STF. Isso é possível?
É uma questão delicada. Acho que o presidente Marco Maia fala muito bem
porque representa a Câmara e age em nome da Casa. O que pode acontecer: a
Câmara poderia fazer imediatamente uma PEC alterando os artigos 15 e 55
explicitando, deixando ainda mais claro, que não cabe ao STF essa
decisão, estabelecendo também crimes de responsabilidade a quem
descumprir essa prerrogativa.
Pra mim é muito claro: a Câmara não pode permitir a perda de suas
prerrogativas. Evidentemente que ela não pode deixar de cumprir a
decisão também, mas ela tem que se comportar institucionalmente sobre
esse caso, tomando providências. Cabe agora ver se o Congresso irá se
submeter diante dessa crise.
Se não cumprir a decisão do Supremo, o que pode acontecer com o presidente da Câmara?
A decisão não é dele, o que tem que haver é uma reação institucional, e
não pessoal. Ele fala como presidente, mas a ação não parte dele.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello mandou recados ao presidente
da Câmara, definindo suas declarações como "afirmações politicamente
irresponsáveis". Esse clima tenso entre Judiciário e Legislativo pode
permanecer em outros casos, deixando uma má relação entre os dois
poderes com origem nesse julgamento?
Não, porque se não houver reação do Congresso, está resolvido. O Supremo
já se estabeleceu como instituição superior, então as outras são
inferiores. A crise ocorrerá apenas se houver reação, se não houver,
está tudo resolvido.
Leia mais em: Blog Sujo : STF se coloca acima da Constituição
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