Foto Nelson Jr., SCO/STF |
Não se sabe até onde nos levará o julgamento do chamado “mensalão”.
Contando com estridente respaldo da mídia, granjeou simpatia da
população, da sua camada média, de parcela das elites. Mas o Supremo
Tribunal Federal, que o protagonizou, tem pela frente interrogações
constrangedoras: o mensalão do PSDB foi anterior ao do PT, por que o do
PT foi julgado antes?.
O julgamento foi marcado para as vésperas de eleições municipais, e
assim influenciou-as. Houve condenações sem provas, a partir da
introdução, no curso do julgamento, do novo critério do “domínio do
fato”.
Na verdade, o Supremo capitulou a vulgarizações que o diminuíram: o
Relator do Processo, Ministro Joaquim Barbosa, mostrou-se vaidoso,
irritadiço, descortês para com seus pares e portou-se como um Promotor,
não como um Juiz; o Revisor do Processo, Ministro Ricardo Lewandowski,
apesar da coragem de levantar o contraditório em ambiente avesso a esse
método, também passou, por vezes, a idéia de um advogado de defesa,
não de um Juiz.
São problemas que podem se reverter contra a imagem do Supremo, a longo prazo. Mas existem riscos de curto prazo.
O arrebatamento punitivo do STF está levando os senhores Ministros a
urdirem uma temerária interferência no Poder Legislativo, para cassar
alguns de seus membros. Optam, assim, por corrigir o texto
constitucional, supostamente flexível demais, e que poderia ensejar que
mandatos não fossem cassados.
A Constituição prevê seis hipóteses para a perda de mandato de
parlamentar. (Art. 55). Especifica que “a perda do mandato será decidida
pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado”. Em nenhum momento admite a
eventualidade do Supremo decidir sobre cassação de parlamentar.
O Ministro Marco Aurélio, que já sustentou lúcidas posições na vida do
Supremo, permitiu-se fazer leitura irônica do texto constitucional,
procurando mostrá-lo como pouco consistente para cassar mandatos.
Fui constituinte, da Comissão de Sistematização e da Comissão de
Redação do texto final. Havia sim, na Constituinte, a idéia de se fechar
os caminhos para procedimentos que a ditadura tinha usado à saciedade,
como a cassação de mandatos.
Na ditadura quem cassava era o Executivo. Em tempos mais antigos, em
maio de 1947, foi o Tribunal Superior Eleitoral que cassou a legenda do
Partido Comunista do Brasil, PCB.
Mas, mesmo aí, os mandatos dos parlamentares comunistas só foram
extintos a partir da votação de um projeto na Câmara, em 10 de janeiro
de 1948.
O constituinte de 1988 realmente esmerou-se para que o caminho de
cassação de mandatos fosse tolhido, pois que, na história do Brasil,
esse sempre foi o caminho do arbítrio. Nem o Executivo nem o Judiciário
poderiam cassar mandatos.
Parlamentares deveriam ser condenados criminalmente e, nesse caso, a
Constituição diz que “perderá o mandato… quem sofrer condenação criminal
em sentença transitada em julgado”.
Mas, pela Constituição, “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados”. (Art. 55, §2º).
A Constituição não pode ser desrespeitada. O Supremo pode condenar
criminalmente parlamentares e enviar o ato à consideração do
Legislativo.
Este deve deliberar e assumir suas responsabilidades. Mas se o Supremo resolver cassar, a Câmara não pode resolver atendê-lo.
Seria uma desmoralização da Câmara, seria acatar que o Supremo pode corrigir a Constituição.
Há 24 anos essa Constituição foi promulgada. Ainda que tenha defeitos e
insuficiências, é uma constituição avançada. Com ela a democracia tem
se desenvolvido entre nós.
Corre o risco de estarmos agora à beira da primeira crise institucional séria, envolvendo Poderes.
É preciso sensatez e prudência, que às vezes exige coragem, para recuar, para não admitir.
O desejo maior é de que o Supremo não nos conduza a essa dramática situação.
Haroldo Lima foi constituinte em 1987/8 e Diretor geral da Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis
No Viomundo
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