“Duas capas do jornal de João Roberto
Marinho são emblemáticas. Na de ontem, uma ordem para que o Parlamento se
enquadre diante da ordem do STF. Na de hoje, a denúncia de uma rebelião do
Congresso, como se o Legislativo não fosse um poder independente, em defesa de
suas próprias prerrogativas. Se isso não bastasse, editorial acusa Marco Maia
de agir como militante partidário. Detalhe: todos os partidos, menos o PPS, dão
apoio ao presidente da Câmara na disputa com o STF
A julgar pelas duas últimas capas do jornal
O Globo, da família Marinho, o periódico é um dos entusiastas da chamada
"supremocracia", regime político que se tenta implantar no Brasil e
que coloca o Supremo Tribunal Federal acima de todos os demais poderes.
Ontem, a chamada em negrito destacava
"Supremo cassa deputados e adverte direção da Câmara". Abaixo, o
subtítulo, que era quase um toque de recolher, e dizia: "Ministro Celso de
Mello faz duro alerta contra reações corporativas e diz que insubordinação é inaceitável".
Algo que poderia ser lido apenas como "enquadrem-se".
Hoje, a manchete também traduz uma tomada
de posição. "Congresso se rebela e manobra contra STF". Ou seja: o
parlamento não é mais um poder independente, que se vale de suas próprias prerrogativas,
mas um agente rebelado da República.
Se isso não bastasse, o jornal também
publicou editorial afirmando que Marco Maia age como militante partidário,
esquecendo-se de seu papel institucional que, na visão do Globo, seria
simplesmente se curvar à "supremocracia". Detalhe: todos os partidos,
menos o PPS, dão apoio ao presidente da Câmara dos Deputados na defesa das
prerrogativas da Casa Legislativa.
Abaixo, o editorial de hoje:
Crise institucional sem sentido - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 19/12
Ao contrário do ministro da Justiça, o presidente da Câmara, Marco Maia,
agiu como militante partidário, deixando papel institucional em segundo plano
Um
julgamento em que se sentavam no banco dos réus ex-dirigentes e ativos
militantes do principal partido no poder, além de representantes da base
parlamentar do governo, não transcorreria mesmo sem incidentes. Só não era
necessário um arremedo de choque entres Poderes, com o presidente da Câmara,
Marco Maia (PT-RS), afrontando o Supremo Tribunal Federal caso ele cassasse os
direitos políticos e, portanto, os mandatos dos deputados condenados como
mensaleiros — João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Casa; Valdemar Costa
Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).
Foi
confirmada a cassação, no voto do ministro Celso de Mello, o do desempate no
placar de quatro a quatro neste item do julgamento, e pelo menos Marco Maia
baixou o tom: “Vamos usar todos os mecanismos para convencer que não é razoável
ingerência na prerrogativa da Câmara”.
Ora,
trata-se do entendimento do presidente da Casa. Se o do Supremo for outro, vale
este. É assim em qualquer processo. Sensato, o próprio ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, foi ao ponto. Para ele, “as decisões (do STF), depois de
transitadas em julgado, valem como lei e devem ser cumpridas, independentemente
de avaliações subjetivas”. Cardozo fez o certo, à altura da posição
institucional que ocupa, de ministro de Estado, não a de deputado petista
licenciado. Lição para Marco Maia. Ele deveria ser mais presidente da Câmara do
que militante do PT.
A
questão era controvertida, tanto que quatro dos nove ministros habilitados a
julgar o item entenderam que caberia à Câmara cassar os parlamentares. Mas há
outras interpretações, preferidas pela maioria formada pelo voto de Celso de
Mello. Foi vitorioso o entendimento de que o autor de crime contra a
administração pública, condenado a pena superior a quatro anos, é cassado pelo
Judiciário. Quem discordar impetre embargos na tentativa de rever o veredicto. Não
pode é dizer que não o cumprirá.
A
polêmica não vale uma crise institucional. Ela só interessa a uma minoria, a
mensaleiros condenados. Estes que acionem seus advogados. A estabilidade
política e a segurança jurídica do país não podem ficar subordinadas a um
punhado de pessoas condenadas por sua mais alta Corte, sejam políticos da
aliança partidária no poder ou não. E fez bem o ministro Celso de Mello ao
incluir, em seu voto, a advertência de que descumprir decisão do Tribunal é
crime de prevaricação, previsto no Código Penal.
A
sessão de segunda, a 53ª desde agosto, foi a última do julgamento histórico do
mensalão. Até o final de todo o processo, com a redação do acórdão e a
apreciação de embargos, passarão alguns meses. Quanto menos tempo, melhor. Mas
inexistem razões para que tudo não continue a transcorrer como foi até agora.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário