terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Corte Suprema da Argentina deixa para hoje decisão sobre Lei de Meios

 

Após duas horas de reunião, a Corte Suprema da Argentina decidiu postergar para hoje (11) a tomada de uma decisão sobre os recursos apresentados pelo governo contra uma liminar que favorece o Grupo Clarín. A falta de consenso foi o motivo para que os ministros decidissem não se pronunciar agora sobre os pedidos impetrados na semana passada pelo chefe de gabinete da Presidência da República e pela autoridade reguladora da Lei de Meios Audiovisuais.
O argumento da gestão de Cristina Fernández de Kirchner é de que a decisão tomada na quinta-feira (6) pela Sala 1 da Câmara Civil e Comercial desrespeita decisão de 22 de maio da Corte Suprema. Na ocasião, os magistrados estabeleceram 7 de dezembro como data-limite para a validade de uma medida cautelar obtida em 2009 pelo Clarín, e que o desobriga de cumprir os mecanismos anticoncentração de mercado estabelecidos pelo novo marco legal.
Pela manhã, o senador governista Aníbal Fernández afirmou que o principal conglomerado midiático tem trabalhado simplesmente para adiar o início da vigência das regras de democratização da comunicação. “Não dou nada por certo, é a Corte que tem de resolver, mas, minha análise, meu sentido comum, e meu limitado conhecimento do direito me fazem pensar que estão dadas todas as condições para que a Corte admita o recurso”, afirmou o ex-chefe de gabinete da Casa Rosada.
O governo confirmou ontem que deve apresentar uma ação contra parte dos juízes da Câmara Civil e Comercial. Nos últimos meses, a presidência vinha barrando a nomeação de integrantes que supostamente sofriam de conflitos de interesse com o Clarín. Na última semana, quatro indicações foram contestadas, mas o Judiciário decidiu levar adiante a recomposição da Sala 1, que horas depois decidiu estender a liminar favorável ao grupo midiático até que o juiz Horácio Alfonso, de primeira instância, dê sua posição definitiva sobre o mérito da ação movida pela empresa. Um dos magistrados responsáveis pela decisão teve uma viagem de 15 dias a Miami paga por uma corporação ligada ao Clarín.
“Nesta democracia ninguém está amparado em um pedestal e todos somos suscetíveis de ser interpelados, como os deputados, os senadores, o Poder Executivo. E também os integrantes do Poder Judiciário são suscetíveis de serem interperlados para que tenhamos uma justiça melhor para todos os argentinos”, disse hoje o líder do governo na Câmara dos Deputados, Agustín Rossi.
De que democracia?
A presidenta Cristina Kirchner manifestou-se duas vezes sobre o caso desde a quinta-feira. Na primeira, durante a Cúpula do Mercosul, sexta-feira em Brasília, disse não haver surpresa. Na segunda, discursando para um público calculado em 400 mil pessoas durante a festa pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos na praça de Maio, no centro da capital, ela disse que é preciso trabalhar pela plena validade da Lei de Meios
“Se não se respeitam as leis, de que democracia estamos falando?”, indagou. “É necessário que a independência não seja apenas do poder político, mas também do poder econômico das corporações. Quero uma democracia plena e profunda, comprometida e sem privilégios.” Ela aproveitou para culpar o Judiciário pela violência, tema que vem afetando a aprovação popular do governo, ao deixar livres criminosos condenados. “As pessoas estão cansadas. Por isso necessitamos de uma Justiça que sirva ao povo, que seja menos corporativa.”

Argentinos exigem plena vigência da Ley de Medios

Em comemoração ao novo aniversário da recuperação da democracia, à luz do Dia Internacional dos Direitos Humanos e pela plena vigência da Lei de Meios, dezenas de milhares de argentinos realizaram uma manifestação no domingo (9) na Praça de Maio. Convocado por entidades populares, sindicais e culturais, o ato multitudinário em defesa da democracia na comunicação e da liberdade de expressão contou com a presença dos músicos Charly García e Fito Páez, além da própria presidenta Cristina Kirchner.
O que deu ainda mais combustível ao evento - que deveria ser uma comemoração da entrada em vigor da Lei de Meios Audiovisuais, amplamente debatida e aprovada pelo Congresso Nacional – foi a decisão dos juízes da Câmara Civil e Comercial de manter o Grupo Clarín temporariamente imune ao seu caráter democratizante. A “Ley de Medios” estabelece que qualquer empresa pode deter no máximo 35% do mercado a nível nacional e 24 licenças, mas o Clarín detém 240, sendo dono de 41% do mercado de rádio, 38% da TV aberta e 59% da TV a cabo. A medida cautelar conseguida no tapetão dá ao grupo aval para não cumprir uma lei legítima, debatida amplamente na sociedade, aprovada por ampla maioria no Congresso e cumprida por todos os demais 21 grupos de mídia que atuam no país.
A Chefia de Gabinete da Presidência da República defendeu que a Suprema Corte derrube a validade da cautelar proferida em outubro de 2009 a favor do Clarín e que deveria ter sido suspensa nesta sexta-feira (7) para que a Lei entrasse em vigor. O presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), Martin Sabbatella, reiterou que considera “vergonhosa” a sentença protelatória proferida por juízes da Câmara Civil e Comercial, casualmente contemplados pelo Clarín com uma viagem a Miami.
Clarín quer desestabilizar
“A desmonopolização e a desconcentração são dois aspectos muito positivos da nova lei que reparte as frequências entre os meios privados com fins de lucro, as organizações sociais e o Estado”, ressaltou o secretário de Comunicação da Confederação dos Trabalhadores da Argentina (CTA), Andrés Fidanza.
Segundo o sindicalista, cuja entidade participou ativamente da coalizão por uma Nova Lei de Meios, “tão importante quanto a regulação proposta foi a riqueza do debate que a gestou, fruto de uma intensa participação e reflexão, onde as pessoas começaram a se dar conta do poder real da mídia, que até então tinha toda uma aura de intocabilidade”. “As pessoas estão se dando conta de que este não é um tema jurídico, mas político, pois o que o Clarín quer é desestabilizar e debilitar o governo para impedir que a democracia avance”, denunciou o secretário de Relações Internacionais da CTA, Andrés Larisgoitia.
Na visão de Larisgoitia, há um processo de mudanças em curso no país que, mesmo avançando com debilidades, representa um patamar superior, “que não se confunde com os anos de desgoverno e privatização do Estado que empurraram a Argentina para o fundo do poço”.
“Com o povo cada vez mais consciente, restou à elite reacionária, ao sistema financeiro e às transnacionais se socorrerem na mídia e instrumentalizá-la: é uma oposição cada vez mais construída, impulsionada e formatada pela televisão. É o poder midiático que fixa sua agenda”, sublinhou o RI da CTA.
“Hoje, uma rádio do Clarín diz algo e outras 30 reproduzem aquilo sem qualquer análise crítica. Então é uma mentira que vai se reproduzindo, reproduzindo… A importância da lei está em dar espaço a outros grupos e permitir que mais vozes se expressem”, acrescentou o dirigente.
Durante a entrevista na sede da CTA, Larisgoitia observou que os mesmos meios de comunicação que agem como “instrumento da colonização cultural, não dando espaço para a riqueza da nossa música nacional, também se põem de costas à integração regional, nos deixando mais vulneráveis à padronização de seus gostos e verdades”.
Corporações ou democracia
O que está claro, alertou Larisgoitia, é o confronto “corporações versus democracia, daí a mobilização da Sociedade Interamericana de Imprensa contra a pluralidade de vozes”.
“Recentemente vimos desfilar por todos os meios uma série de dirigentes sindicais patrocinados pelo Clarín. Ou o grupo virou defensor dos trabalhadores, o que evidentemente não é o caso, ou está usando esses sindicalistas para que falem por ele. Eu acredito que não podemos nos confundir. Temos de combater o neoliberalismo, saber a todo instante quem é o nosso inimigo principal, pois o que está em jogo é a consolidação de um processo e não o retrocesso. Nem um passo atrás na democratização da comunicação na Argentina”, concluiu.

Nenhum comentário: