Após duas horas de reunião, a Corte Suprema da Argentina decidiu
postergar para hoje (11) a tomada de uma decisão sobre os recursos
apresentados pelo governo contra uma liminar que favorece o Grupo
Clarín. A falta de consenso foi o motivo para que os ministros
decidissem não se pronunciar agora sobre os pedidos impetrados na semana
passada pelo chefe de gabinete da Presidência da República e pela
autoridade reguladora da Lei de Meios Audiovisuais.
O argumento da gestão de Cristina Fernández de Kirchner é de que a
decisão tomada na quinta-feira (6) pela Sala 1 da Câmara Civil e
Comercial desrespeita decisão de 22 de maio da Corte Suprema. Na
ocasião, os magistrados estabeleceram 7 de dezembro como data-limite
para a validade de uma medida cautelar obtida em 2009 pelo Clarín, e que
o desobriga de cumprir os mecanismos anticoncentração de mercado
estabelecidos pelo novo marco legal.
Pela manhã, o senador governista Aníbal Fernández afirmou que o
principal conglomerado midiático tem trabalhado simplesmente para adiar o
início da vigência das regras de democratização da comunicação. “Não
dou nada por certo, é a Corte que tem de resolver, mas, minha análise,
meu sentido comum, e meu limitado conhecimento do direito me fazem
pensar que estão dadas todas as condições para que a Corte admita o
recurso”, afirmou o ex-chefe de gabinete da Casa Rosada.
O governo confirmou ontem
que deve apresentar uma ação contra parte dos juízes da Câmara Civil e
Comercial. Nos últimos meses, a presidência vinha barrando a nomeação de
integrantes que supostamente sofriam de conflitos de interesse com o
Clarín. Na última semana, quatro indicações foram contestadas, mas o
Judiciário decidiu levar adiante a recomposição da Sala 1, que horas
depois decidiu estender a liminar favorável ao grupo midiático até que o
juiz Horácio Alfonso, de primeira instância, dê sua posição definitiva
sobre o mérito da ação movida pela empresa. Um dos magistrados
responsáveis pela decisão teve uma viagem de 15 dias a Miami paga por
uma corporação ligada ao Clarín.
“Nesta democracia ninguém está amparado em um pedestal e todos somos
suscetíveis de ser interpelados, como os deputados, os senadores, o
Poder Executivo. E também os integrantes do Poder Judiciário são
suscetíveis de serem interperlados para que tenhamos uma justiça melhor
para todos os argentinos”, disse hoje o líder do governo na Câmara dos
Deputados, Agustín Rossi.
De que democracia?
A presidenta Cristina Kirchner manifestou-se duas vezes sobre o caso
desde a quinta-feira. Na primeira, durante a Cúpula do Mercosul,
sexta-feira em Brasília, disse não haver surpresa. Na segunda,
discursando para um público calculado em 400 mil pessoas durante a festa
pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos na praça de Maio, no centro
da capital, ela disse que é preciso trabalhar pela plena validade da
Lei de Meios
“Se não se respeitam as leis, de que democracia estamos falando?”,
indagou. “É necessário que a independência não seja apenas do poder
político, mas também do poder econômico das corporações. Quero uma
democracia plena e profunda, comprometida e sem privilégios.” Ela
aproveitou para culpar o Judiciário pela violência, tema que vem
afetando a aprovação popular do governo, ao deixar livres criminosos
condenados. “As pessoas estão cansadas. Por isso necessitamos de uma
Justiça que sirva ao povo, que seja menos corporativa.”
Argentinos exigem plena vigência da Ley de Medios
Em comemoração ao novo aniversário da recuperação da democracia, à luz
do Dia Internacional dos Direitos Humanos e pela plena vigência da Lei
de Meios, dezenas de milhares de argentinos realizaram uma manifestação
no domingo (9) na Praça de Maio. Convocado por entidades populares,
sindicais e culturais, o ato multitudinário em defesa da democracia na
comunicação e da liberdade de expressão contou com a presença dos
músicos Charly García e Fito Páez, além da própria presidenta Cristina
Kirchner.
O que deu ainda mais combustível ao evento - que deveria ser uma
comemoração da entrada em vigor da Lei de Meios Audiovisuais, amplamente
debatida e aprovada pelo Congresso Nacional – foi a decisão dos juízes
da Câmara Civil e Comercial de manter o Grupo Clarín temporariamente
imune ao seu caráter democratizante. A “Ley de Medios” estabelece que
qualquer empresa pode deter no máximo 35% do mercado a nível nacional e
24 licenças, mas o Clarín detém 240, sendo dono de 41% do mercado de
rádio, 38% da TV aberta e 59% da TV a cabo. A medida cautelar conseguida
no tapetão dá ao grupo aval para não cumprir uma lei legítima, debatida
amplamente na sociedade, aprovada por ampla maioria no Congresso e
cumprida por todos os demais 21 grupos de mídia que atuam no país.
A Chefia de Gabinete da Presidência da República defendeu que a Suprema
Corte derrube a validade da cautelar proferida em outubro de 2009 a
favor do Clarín e que deveria ter sido suspensa nesta sexta-feira (7)
para que a Lei entrasse em vigor. O presidente da Autoridade Federal de
Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), Martin Sabbatella, reiterou
que considera “vergonhosa” a sentença protelatória proferida por juízes
da Câmara Civil e Comercial, casualmente contemplados pelo Clarín com
uma viagem a Miami.
Clarín quer desestabilizar
“A desmonopolização e a desconcentração são dois aspectos muito
positivos da nova lei que reparte as frequências entre os meios privados
com fins de lucro, as organizações sociais e o Estado”, ressaltou o
secretário de Comunicação da Confederação dos Trabalhadores da Argentina
(CTA), Andrés Fidanza.
Segundo o sindicalista, cuja entidade participou ativamente da coalizão
por uma Nova Lei de Meios, “tão importante quanto a regulação proposta
foi a riqueza do debate que a gestou, fruto de uma intensa participação e
reflexão, onde as pessoas começaram a se dar conta do poder real da
mídia, que até então tinha toda uma aura de intocabilidade”. “As pessoas
estão se dando conta de que este não é um tema jurídico, mas político,
pois o que o Clarín quer é desestabilizar e debilitar o governo para
impedir que a democracia avance”, denunciou o secretário de Relações
Internacionais da CTA, Andrés Larisgoitia.
Na visão de Larisgoitia, há um processo de mudanças em curso no país
que, mesmo avançando com debilidades, representa um patamar superior,
“que não se confunde com os anos de desgoverno e privatização do Estado
que empurraram a Argentina para o fundo do poço”.
“Com o povo cada vez mais consciente, restou à elite reacionária, ao
sistema financeiro e às transnacionais se socorrerem na mídia e
instrumentalizá-la: é uma oposição cada vez mais construída,
impulsionada e formatada pela televisão. É o poder midiático que fixa
sua agenda”, sublinhou o RI da CTA.
“Hoje, uma rádio do Clarín diz algo e outras 30 reproduzem aquilo sem
qualquer análise crítica. Então é uma mentira que vai se reproduzindo,
reproduzindo… A importância da lei está em dar espaço a outros grupos e
permitir que mais vozes se expressem”, acrescentou o dirigente.
Durante a entrevista na sede da CTA, Larisgoitia observou que os mesmos
meios de comunicação que agem como “instrumento da colonização cultural,
não dando espaço para a riqueza da nossa música nacional, também se
põem de costas à integração regional, nos deixando mais vulneráveis à
padronização de seus gostos e verdades”.
Corporações ou democracia
O que está claro, alertou Larisgoitia, é o confronto “corporações versus
democracia, daí a mobilização da Sociedade Interamericana de Imprensa
contra a pluralidade de vozes”.
“Recentemente vimos desfilar por todos os meios uma série de dirigentes
sindicais patrocinados pelo Clarín. Ou o grupo virou defensor dos
trabalhadores, o que evidentemente não é o caso, ou está usando esses
sindicalistas para que falem por ele. Eu acredito que não podemos nos
confundir. Temos de combater o neoliberalismo, saber a todo instante
quem é o nosso inimigo principal, pois o que está em jogo é a
consolidação de um processo e não o retrocesso. Nem um passo atrás na
democratização da comunicação na Argentina”, concluiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário