terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Argentino conta como foi capturado pela Operação Condor no Brasil

Em uma ação espetaculosa, quatro carros militares fecharam a frente do Fiat 147, nas cercanias de uma praça na cidade de Passo Fundo, no norte gaúcho. Armados com fuzis, os militares arrancaram de dentro do carro o motorista que, aos berros e empurrões, acabou preso e jogado dentro de um veículo verde-oliva.
O engenheiro e professor universitário argentino Carlos
Alfredo Claret, vítima da operação Condor
Sem saber, o engenheiro e professor universitário argentino Carlos Alfredo Claret se tornava, naquele início de tarde do dia 12 de setembro de 1978, em mais uma vítima da Operação Condor – que uniu ditaduras do Cone Sul no combate a movimentos de esquerda. Sua prisão é prova importante de como os ditadores trabalhavam em conjunto, sem tomar ciência de fronteiras, para sequestrar os considerados inimigos de Estado.
A prisão de Claret ocorreu dois meses antes do sequestro dos uruguais Universindo Dias e Lilian Celiberti, em Porto Alegre, também por agentes brasileiros. “A facilidade com que isso foi feito mostra que as forças de segurança tinham certeza da impunidade. O Brasil sempre teve o papel protagônico na Operação Condor, mas sempre com o cuidado de não deixar impressões digitais”, avalia Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH).
Depois de um mês preso e torturado na sede Superintendência da Polícia Federal, em Porto Alegre, Claret acabou solto por pressão de militantes dos direitos humanos, igreja católica e imprensa, e se exilou na Suécia, onde vive até hoje. De passagem pelo Brasil, o argentino contou sua história pouco conhecida nesta segunda-feira 10, na sede do MJDH, na capital gaúcha.
“Há uma centena de histórias que nunca foram contadas. Alguns se salvaram, outros não”, comentou Claret.
Nascido em Entre Rios e formado engenheiro mecânico em 1971, Claret passou a ser perseguido pela ditadura argentina, sendo expulso da Universidade de Rio Cuarto, onde era professor e decano. Em 1976, um amigo próximo, integrante da juventude peronista, como ele, acabou assassinado pelas forças de repressão.
O engenheiro optou, então, por fugir com a mulher e um casal de filhos para o Brasil e se instalou em Santos (SP), antes de rumar para Passo Fundo, onde começou a trabalhar em uma fábrica de máquinas agrícolas, sua especialidade. “Eu não tinha regularizado meus documentos. Era impossível. Mas consegui uma carteira de trabalho, que era mais fácil de se obter, e a empresa me empregou.”
Ao mesmo tempo, do lado argentino, a repressão aumentava. Claret, a cada três meses, tinha que levar a mulher e os filhos à fronteira para renovar o visto de turistas no Brasil. “Na fronteira caía muita gente, e nós tínhamos de ir com as crianças.”
O argentino procurou o consulado em Porto Alegre, em maio de 1978, para regularizar sua situação, solicitando uma “certidão de boa conduta”, documento nunca emitido.
Quatro meses depois, em Passo Fundo, viu uma movimentação estranha na empresa. “Me disseram que era um controle de rotina. As autoridades pediram para ver a documentação dos estrangeiros. Eu tinha outros colegas, como um do Uruguai, que também estava ilegal, apenas com o visto de turista.”
Mas foi quando deixava a empresa, ao meio dia de 12 de setembro de 1978, que foi abordado pelos militares. “Dois carros na frente, dois atrás. Me mandaram colocar as mãos na cabeça. Ninguém me explicava o que estava acontecendo e eu sempre com um fuzil encostado na cabeça.”
Claret foi levado ao 3º Esquadrão do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado, na mesma cidade, onde foi colocado em um quarto, incomunicável. Dois dias depois recebeu a visita de um inspetor da Polícia Federal, que o conduziria até Porto Alegre.
“Me mandaram ficar na parte de trás de um Fusca, com a cabeça baixa. O comissário me colocou um capuz e fez uma brincadeira de, no mínimo, mau gosto. Ele disse: ‘Agora vamos para a Argentina’”.
Em Porto Alegre, ficou isolado na PF, situada na época na rua Paraná, número 69. “Entramos em uma garagem onde tinha umas dez celas. Me colocaram na primeira da direita e tiraram todos os outros presos ao redor. Nunca tive contato com nenhum deles.”
Depois de dois dias isolado, Claret foi levado para o interrogatório, quando questionado sobre seus contatos, quem conhecia no Brasil e sua participação na resistência argentina. “Foi quando me disseram: ‘Temos tua família e todo o tempo do mundo’”.
Por dez dias de muita pressão psicológica, o engenheiro foi obrigado a escrever várias vezes o mesmo relato de suas ligações na Argentina e no Brasil. No final deste período, o tiraram da cela e o mandaram tomar banho: dia da primeira sessão de choques. “Eu estava nu em uma cela, quando entrou um médico. Ele começou a tirar fotos do meu corpo e eu perguntei o porquê. ‘Não queremos que os corpos se confundam’, ele disse.”
O preso foi levado, então ao gabinete do chefe da PF, onde “iria encontrar alguém importante”. No dia 29 de setembro de 1978, Claret foi visitado pelo então representante no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Guy Prim. “A partir daí, mudou a história.”
Seu paradeiro só foi conhecido porque um amigo testemunhou sua captura e acionou o Movimento de Justiça e Direitos Humanos. A partir daí, uma cadeia de informações tomou origem, divulgando sua prisão, inclusive com notas na imprensa e participação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Claret, a muher e os filhos foram levados para o Rio de Janeiro, de onde partiram para a Suécia em 12 de outibro de 1978.
“Eu era da juventude peronista e trabalhava numa universidade”, conta Claret, o que seria o motivo para sua captura.
Para o professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Jorge Christian Fernández, estudioso do caso, a melhor hipótese para a prisão de Claret é que ele tenha sido confundido ou que as forças de repressão acreditaram que ele fosse um montonero – organização político-militar que, desde a Copa de 1978, treinava para fazer operações militares na Argentina a partir do Brasil e das fronteiras do Paraguai e Uruguai.
Os montoneros acreditavam que o governo argentino estava caindo em suas estruturas e que, se chegassem de fora do país, conseguiriam uma insurreição. Isso não aconteceu. A ditadura argentina estava muito bem informada dos planos dos montoneros, já que tinha agentes infiltrados na organização.
“É bem possível que o Claret tenha entrado às avessas nesse caso. Alguém calculou que ele pudesse ter algo com isso. Devem ter analisado que ele era um membro da juventude peronista desaparecido da Argentina por mais de dois anos e estimaram que ele tinha passado para a guerrilha”, estipula Fernández.
“Eu apenas era da geração que queria mudar o mundo”, comenta Claret.
No CartaCapital

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