José Eduardo Cardozo foi avisado ou
não pelo delegado Roberto Troncon Filho, superintendente da PF em SP,
da Operação Porto Seguro? Só o ministro poderá esclarecer. A praxe é
comunicar um dia antes
O alvo era Lula. Essa é a única conclusão a que políticos governistas e
o Palácio do Planalto conseguiram chegar até agora sobre os
acontecimentos que resultaram na Operação Porto Seguro. Não que a
Polícia Federal tenha agido incorretamente. Os fatos comprovam a
existência de um esquema de venda de pareceres de agências reguladoras
intermediado por Rosemary Nóvoa de Noronha, chefe de gabinete do
escritório paulista da Presidência da República.
A operação envolveu 180 agentes nas cidades de Cruzeiro, Dracena,
Santos, São Paulo e Brasília. Foram cumpridos 26 mandados de busca e
apreensão em São Paulo, 17 na capital federal e 18 acusados acabaram
indiciados.
Desse ponto para frente, tudo pareceu calculado para causar
constrangimentos ao governo e ao PT. Começou pela maneira de divulgação
da notícia. Em vez de convocar uma coletiva e informar todos os
veículos de comunicação sobre os detalhes da Porto Seguro, a
superintendência da PF em São Paulo vazou as informações de forma
seletiva.
Dois dias depois, o superintendente regional, Roberto Troncon Filho,
chegou a confirmar uma informação logo desmentida pelo Ministério
Público Federal: a de que o ex-presidente Lula havia sido grampeado em
122 ligações com Rosemary. Da mesma forma, a participação do
ex-ministro José Dirceu, insinuada nas primeiras horas, foi descartada.
“Não tem uma relação direta dele de sociedade ou de eventual lucro”, disse a procuradora Suzana Fairbanks.
Entre os indiciados está o ex-advogado-geral-adjunto da União José
Weber de Holanda Alves, exonerado do cargo. Ele é suspeito de ter
recebido propina do ex-senador do PFL (atual DEM) do Amazonas Gilberto
Miranda, também indiciado pela PF, para dar parecer favorável sobre a
ocupação da Ilha das Cabras, no litoral paulista. A participação de
Alves jogou a crise sobre a Advocacia-Geral da União e praticamente
enterrou as pretensões de Luis Inacio Adams de ocupar uma cadeira no
Supremo Tribunal Federal.
A inclusão da AGU no escândalo, além de alimentar mais uma teoria da
conspiração dentro do governo, acendeu a luz amarela no Palácio do
Planalto em relação a Adams, funcionário de carreira que mantinha
estreita ligação com Holanda. Ambos se conhecem há dez anos, desde
quando trabalhavam para o então advogado-geral da União Gilmar Mendes,
atual ministro do STF.
Em junho do ano passado, Adams deu um estranho parecer favorável a
Mendes numa ação privada na qual o ministro pretendia se livrar de um
sócio no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Para encerrar o
processo, Mendes foi obrigado a desembolsar 8 milhões de reais.
Igualmente nebulosa é a participação do diretor-geral da Polícia
Federal, Leandro Daiello Coimbra. Somente o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, vai poder esclarecer se o governo foi avisado ou não
com antecedência. E se, do ponto de vista ético, isso teria sido
necessário, haja vista ser a PF uma polícia judiciária, embora
subordinada ao Ministério da Justiça.
A praxe manda que o ministro seja avisado, genericamente, um dia antes.
Uma vez iniciada a operação, cabe ao diretor-geral detalhar o que está
sendo feito, logo em seguida à ação dos agentes federais. Cardozo foi
convidado a se explicar na quarta-feira 5 na Câmara dos Deputados. Mais
uma vez, Dilma Rousseff se vê obrigada a gerenciar uma crise política,
da qual soube pelos relatos da mídia.
A investigação começou com um inquérito civil público para a apuração
de improbidade administrativa. O ex-auditor do Tribunal de Contas da
União (TCU) Cyonil da Cunha Borges de Faria Júnior revelou à Polícia
Federal ter recebido 100 mil reais de um total de 300 mil que lhe
seriam pagos por um parecer técnico fajuto. Sua função seria beneficiar
um grupo empresarial que atua no Porto de Santos, a empresa Tecondi
(Terminal para Contêineres da Margem Direita), em um contrato com a
Companhia Docas de São Paulo (Codesp).
Transformada em mais um escândalo midiático de grandes proporções, a
operação passou a mobilizar diversos setores do governo em busca de
explicações para a crise. Na quarta-feira 28, a pedido da presidenta
Dilma Rousseff, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) chegou a pedir
auxílio ao deputado Protógenes Queiroz (PcdoB-SP) em busca de
informações sobre os meandros da Porto Seguro.
O delegado voltou ao Palácio do Planalto quatro anos depois de ter sido
enxotado da PF por ter levado a Operação Satiagraha a investigar o
então chefe de gabiente de Lula, o atual secretário-geral da
Presidência, Gilberto Carvalho. À época, Carvalho foi flagrado ao
passar informações para o ex-deputado petista Luis Eduardo Greenhalgh,
advogado do banqueiro Daniel Dantas, um dos alvos da Satiagraha.
Protógenes não perdeu a chance de botar a boca no trombone. A um grupo
de parlamentares petistas e a auxiliares de Dilma, o deputado
classificou a Porto Seguro de “operação seletiva” e apontou um
desafeto, Troncon Filho, como principal responsável pela suposta trama
para atingir Lula e o PT.
Segundo Protógenes, a ação obedeceu ao mesmo modelo da Operação Lunus,
realizada na empresa de Jorge Murad, marido da governadora do Maranhão,
Roseana Sarney. Em 2002, agentes da Polícia Federal de São Paulo
apreenderam 1,3 milhão de reais no escritório de Murad e assim
afundaram a pré-candidatura de Rosena à Presidência da República, fato
muito festejado pelo tucano José Serra, apontado como mentor da ação
policial.
O delegado Troncon tomou posse na Superintendência da Polícia Federal
de São Paulo em maio de 2011, nomeado pelo então diretor-geral Luiz
Fernando Corrêa. Antes, em 2005, havia assumido a chefia da Delegacia
de Repressão a Crimes Financeiros. Em setembro de 2007, foi nomeado
para a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCOR).
Protógenes afirmou que a Operação Porto Seguro tem como pano de fundo
uma disputa interna dentro da Polícia Federal sobre a qual o ministro
Cardozo, aparentemente, não tem conhecimento nem, muito menos,
controle. A briga se daria principalmente entre delegados simpatizantes
do PSDB, quase todos lotados em São Paulo e Minas Gerais, e os
remanescentes da gestão do delegado Paulo Lacerda durante o primeiro
mandato do governo Lula. A isso se aliou a insatisfação dos servidores
da PF com as negociações por aumento salarial, emperradas no governo.
Troncon é apontado como parte da ala tucana ligada ao ex-deputado
Marcelo Itagiba. Além disso, é remanescente da confusa gestão de Luis
Fernando Correa, acusado de torturar e cegar uma empregada doméstica no
Rio Grande do Sul e, mais tarde, de desviar dinheiro na compra de
equipamentos de segurança para os Jogos Panamericanos do Rio, em 2007,
quando era secretário nacional de Segurança Pública.
Leandro FortesNo CartaCapital
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