OS JUÍZES E A VORAGEM DO PODER
Alguns juizes do STF – felizmente nem todos eles - estão
vivendo dias de soberbo deslumbramento, com a condenação dos réus da Ação 470.
Sentem-se os senhores da República. Para tal, não se ativeram apenas à letra dos
códigos, à jurisprudência conhecida, ou ao saber da experiência feito. Diante
do clamor de comentaristas de alguns jornais e emissoras de
televisão, decidiram que decepariam a
cabeça de alguns acusados de corromper membros do poder legislativo. O
objetivo, segundo a denúncia do MP, seria o da aprovação de medidas
consideradas necessárias à governabilidade. Dosadas
as penas, conforme a linguagem que usaram, os intransigentes defensores da
moralidade pública flutuam - sobre as alvas e brandas nuvens da popularidade.
Um dos alvos preferenciais dos
justiceiros foi o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu. Não nos
alinhamos ao maniqueísmo ideológico, e, portanto, não vemos em Dirceu o
esquerdista incendiário do passado, mas tampouco o grande estadista dos últimos
anos. Quando de sua cassação, lembramos que fizera desafetos, por não ter atuado com a
necessária cortesia política, mais exigida ainda quando lhe cabia negociar com
o parlamento, em nome do Chefe de Governo. Até mesmo os ministros ditatoriais,
quando civis, atuam com essa atenção. Delfim Neto ficava em seu gabinete até a madrugada, a fim de dar
uma palavra amável a todos os que aguardassem ser chamados. Mas esse comportamento,
incomum a alguém que nasceu em Minas, foi punido com exagerado rigor com a
decisão de seus pares.
Ativeram-se, os que o condenaram a mais
de 11 anos de prisão, a uma doutrina absolutamente alheia ao processo: a teoria
do domínio do fato. Essa teoria, por mais interessante possa ser, não faz parte
de nossos códigos, nem da tradição de nossos pensadores do Direito. Ela, embora
tenha nascido na Idade Média, associada a razões teológicas, foi reavivada em
Nuremberg, para punir os chefes nazistas. Atualizada há poucos anos pelo jurista
alemão Claus Roxin, serviu para punir, entre outros, o general Videla, na
Argentina, e Fujimori, no Peru.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Roxin foi
claro, ao afirmar que o seu pensamento não foi devidamente assimilado pelos
juízes do STF: para estabelecer o “domínio do fato” é necessário mais do que a
presunção do julgador. É preciso que haja provas incontestáveis de que a ordem
para a execução dos delitos apontados tenha realmente partido do réu – como as
houve no caso dos dois ditadores latinoamericanos. Enfim, falta o “ato de
ofício” – ausência que socorreu Collor, mas não José Dirceu.
A “neutralidade” ativa dos que o
condenaram – e condenaram outros na mesma situação – está sendo glorificada por
parte da opinião publicada. Até que a História trate devidamente do assunto.
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