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Estes dias brasileiros nos remetem a alguns inquietantes
documentários de televisão sobre a vida selvagem. Neles, quase que com traços
de sadismo, os cinegrafistas nos mostram cenas de ágeis predadores espreitando,
aguardando o instante preciso, para saltar sobre a presa frágil, dilacerá-la,
ainda com vida, e fartar-se até os ossos. Quando se trata de um duelo, entre o
felino e o alce, a cena, ainda que bárbara, tem um toque de arte: a paciência
do predador, procurando, na inocência da presa, o instante do descuido maior,
para agir exatamente naquele segundo. E a única reação possível da provável
vítima: a fuga desesperada, com a esperança, quase sempre frustrada, de que o
caçador se canse ou vislumbre, nas margens da trilha, caça maior e mais
atraente.
Se pudéssemos entrar na alma dos animais (e os animais têm
alma, ainda que isso contrarie as presunções humanas) encontraríamos na atitude
do predador e na fuga da presa, uma mesma volúpia, a volúpia da luta pela vida.
Mas há uma caçada que enoja, que repulsa os nossos sentimentos estéticos e,
mais ainda, os sentimentos éticos, mesmo que os etólogos possam explicá-la como
sendo natural, com os argumentos isentos da ciência: é a caçada das hienas.
Dois ou três predadores espreitam a vítima ou as vítimas e,
imediatamente avisam o bando, que pode chegar a quarenta animais. Há hienas
maiores – pesando 80 quilos – e menores, a metade disso. Elas atacam em ondas,
até derrubar animais totalmente indefesos, como as gazelas, os alces e as
zebras, e as destroem em poucos minutos. As gazelas e os alces são atacados
quando se encontram em grupos.
O ataque ao erário público - ou seja, à maioria do povo
brasileiro, que, sem os recursos públicos, não consegue dispor de educação, de
saúde, de segurança e, sobretudo, do direito de ser feliz – se assemelha à
predação das hienas e dos chacais. Formam-se os bandos, escolhem-se os
olheiros, que identificam o ponto mais débil da presa, e se passa ao ataque. A
diferença é de que se trata de uma presa única e inerme, ainda que coletiva: a
sociedade nacional. As revelações das sucessivas operações combinadas do Ministério
Público e da Polícia Federal são tão nauseantes quanto as cenas de uma zebra
sendo devorada pelo bando de hienas. A cada dia, a cada hora, novas informações
trazem o pavor dos homens de bem, que são a quase totalidade da sociedade
brasileira. Ainda ontem foi preso José Francisco das Neves, ex-presidente da
empresa estatal encarregada da construção da Ferrovia Norte-Sul. Em sua gestão,
a construção foi lenta, mas rápido o seu enriquecimento, segundo as denúncias.
Um detalhe: a Construtora Delta era uma das grandes empreiteiras do
empreendimento.
É difícil que se levantem diques contra o maremoto. A
decisão unânime da Comissão de Constituição e Justiça de mandar Demóstenes à
guilhotina moral a ser levantada no plenário, daqui a seis dias, e a convocação,
ao mesmo tempo, de Pagot, Fernando Cavendish e do prefeito de Palmas, Raul
Filho para depor – são notícias alvissareiras para os cidadãos de hoje e para
seus filhos e netos.
Há outra espécie de hienas, mais sutis, que são as da
aristocracia sem méritos de um grupo de servidores públicos, que chegam a
ganhar centenas de milhares de reais por mês, conforme se revela pelo acesso
público às folhas de pagamento dos três poderes da República. A falta de
vigilância dos que deveriam zelar pelo bem público, e a cumplicidade de certos
membros do poder judiciário, levaram a esse descalabro, no qual servidores do
Executivo, do Legislativo e do Poder Judiciário ganham duas, três vezes mais do
que os subsídios líquidos dos parlamentares, e dos proventos dos juizes do STF.
Segundo se informa, apenas no mais alto tribunal do país, o Supremo, o teto da
remuneração, arbitrado pelo poder executivo, está sendo respeitado. E coube a
uma ministra do STF, Carmem Lúcia, tomar a iniciativa de divulgar o fac-símile
de seu contracheque, dando o exemplo a ser seguido.
Nos tribunais inferiores, a farra é quase geral. Os juízes
que vendem sentenças, segundo um membro da magistratura, deveriam ser
enforcados em praça pública. Talvez não mereçam tanto os juízes que se
atribuem, sob vagas rubricas contábeis, remunerações milionárias, mas seria bom
que os julgadores soubessem julgar-se, antes de julgar os demais cidadãos.
O Estado - que, segundo Hegel, deveria ser a sociedade
organizada – está sendo assaltado pelos predadores. Mas, sob a pressão dos
cidadãos, começa a reagir. Felizmente, as divergências entre os parlamentares
da CPMI nos prometem uma devassa mais ampla, para apurar a Conexão Goiana, e a
pressão popular poderá escoimar a folha de pagamentos do Estado desse absurdo
das remunerações excepcionais.
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