Tarso Genro: Sobre o papel da mídia burguesa
Ao longo dos últimos dez anos a disputa de princípios, na esfera da política, tornou-se mais complexa. Os argumentos tradicionais estão bloqueados por um senso comum formatado por uma repetição de “verdades”, cuja aceitação não se fundamenta em fatos ou provas, mas é criada pelo martelamento permanente, repetitivo, de “informações” que são passadas como se não precisassem de argumentação minimamente lógica.
O fazer político e o discurso político, hoje, devem
partir do pressuposto que o senso comum já está “trabalhado pela grande
mídia” para formar “pré-conceitos” sobre todos os temas relevantes do
país e do mundo.
Repito o que disse em outras oportunidades: quando falo em “grande mídia”, não estou me reportando a qualquer órgão de imprensa, em particular, nem a um ou outro jornalista, sejam eles manipuladores ou não das informações que transitam nas suas colunas ou matérias. Reporto-me ao produto “matéria informativa”, no mercado da notícia, que é fabricado para ser assimilado pelo senso comum, ou por parte dele, como conjunto que passa a circular de forma dominante, como verdade, na “grande mídia” nacional.
Assim, Chavez que ganhou sucessivas eleições na Venezuela e sofreu uma tentativa de golpe de Estado quase concretizada, passou a ser um “ditador”. Lula, que fez o governo mais democrático e avançado do país - em termos de progresso econômico, distribuição de renda e soberania nacional- nos últimos 50 anos, passou a ser retratado como um Presidente tosco, que teve a sorte de surfar nas boas ondas da economia mundial. A corrupção no Estado é apresentada sempre (e quando ela passou a ser mais combatida e por isso se tornou mais evidente) como uma “novidade”, ligada principalmente ao PT (mesmo quando os sacerdotes da moralidade pública são desnudados por inteiro e não são nem do PT, nem da esquerda).
Repito o que disse em outras oportunidades: quando falo em “grande mídia”, não estou me reportando a qualquer órgão de imprensa, em particular, nem a um ou outro jornalista, sejam eles manipuladores ou não das informações que transitam nas suas colunas ou matérias. Reporto-me ao produto “matéria informativa”, no mercado da notícia, que é fabricado para ser assimilado pelo senso comum, ou por parte dele, como conjunto que passa a circular de forma dominante, como verdade, na “grande mídia” nacional.
Assim, Chavez que ganhou sucessivas eleições na Venezuela e sofreu uma tentativa de golpe de Estado quase concretizada, passou a ser um “ditador”. Lula, que fez o governo mais democrático e avançado do país - em termos de progresso econômico, distribuição de renda e soberania nacional- nos últimos 50 anos, passou a ser retratado como um Presidente tosco, que teve a sorte de surfar nas boas ondas da economia mundial. A corrupção no Estado é apresentada sempre (e quando ela passou a ser mais combatida e por isso se tornou mais evidente) como uma “novidade”, ligada principalmente ao PT (mesmo quando os sacerdotes da moralidade pública são desnudados por inteiro e não são nem do PT, nem da esquerda).
Ao lado desses macro-eventos, alinham-se outros.
Por exemplo, a deposição do ministro Orlando Silva, do PC do B, que é
exposto cinicamente como participante de um esquema de corrupção,
humilhado publicamente pela “grande mídia” perante o país e a sua
família, sem qualquer cuidado com a verdade, e sobre o qual hoje não
pende nenhum indício de culpa. O serviço - a chacina -, porém, foi feita
de forma meticulosa, certamente respondendo a interesses econômicos e
políticos obscuros.
Neste momento, a “grande mídia” atravessa um período de esforço para a legitimação da deposição golpista do Presidente Lugo. Abre, assim, um precedente perigoso no debate sobre o futuro das democracias na América Latina, que lembra os anos 70.
Os métodos são outros, mas os objetivos e os efeitos são os mesmos: travar reformas progressistas e roubar esperanças de mudanças dentro da ordem. Pode, uma maioria parlamentar, -mesmo legítima em termos eleitorais - promover a deposição sumária de um Presidente por “não cumprir adequadamente” as suas funções, sem direito a ampla defesa e sem mesmo um esboço de prova?
Neste momento, a “grande mídia” atravessa um período de esforço para a legitimação da deposição golpista do Presidente Lugo. Abre, assim, um precedente perigoso no debate sobre o futuro das democracias na América Latina, que lembra os anos 70.
Os métodos são outros, mas os objetivos e os efeitos são os mesmos: travar reformas progressistas e roubar esperanças de mudanças dentro da ordem. Pode, uma maioria parlamentar, -mesmo legítima em termos eleitorais - promover a deposição sumária de um Presidente por “não cumprir adequadamente” as suas funções, sem direito a ampla defesa e sem mesmo um esboço de prova?
Ao aceitarmos como “normal” a deposição
do presidente Lugo, qualquer maioria (seja qual for sua posição
política) poderá interromper mandatos sem obediência a regras que
presidem qualquer Estado Democrático de Direito, estimulando o desapreço
do povo à democracia política. A naturalização da deposição de Lugo
está sendo meticulosamente trabalhada para passar ao senso comum que ela
foi um ato legítimo.
Há um outro aspecto interessante no movimento da
mídia. Aquele que elege a “personalidade da vez”. Até há pouco tempo
este era o Senador Demóstenes, que seria o contraponto à “herança Lula”.
Pela sua probidade e intransigência em relação à corrupção, era
considerado também um modelo ideológico, capaz inclusive de promover uma
pauta bombástica (e falsa), como aquela que a Polícia Federal estaria
gravando diálogos seus com o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, que,
na oportunidade, mostrou-se justamente indignado.
Ministro da Justiça naquele período, considerando o
pedido do ministro Gilmar que presidia o STF, determinei uma
investigação rápida e profunda, que não localizou nenhuma escuta ilegal.
Não seria Cachoeira o autor do grampo? Não seria falsa a degravação
apresentada? Eis uma investigação suplementar que a PF deveria reabrir
neste momento.
Atualmente, a figura mais promovida pela mídia é o
senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá. Assim como já foi, em
outras oportunidades, a senadora Heloisa Helena, quando as suas
diatribes udenistas serviam para a tentativa de desestabilização e
promoção do fracasso do primeiro governo Lula. Ela era apontada pela
mídia, naquela oportunidade, como exemplo de coerência política e
consciência ideológica da esquerda e atraiu, pelo seu discurso radical
contra Lula, o apoio e o voto de colunistas de jornais conservadores,
ex-esquerdistas, que se autoproclamavam autênticos justiceiros do PT.
Buscava o governo, naquele momento difícil - não
sem erros - dar estabilidade a uma maioria parlamentar para implementar
um programa de crescimento econômico e melhoria na distribuição de
renda, que hoje orgulha toda a nação. O senador Randolfe, portanto, que
se prepare, pois quando ele se ocupar em esboçar alguma defesa coerente
do programa socialista do seu partido, será também sumariamente
despedido dos grandes noticiários e das colunas que hoje lhe cortejam, a
medida que já terá sido devidamente utilizado pela “grande mídia” para
que este purgue o seu amor a Demóstenes.
Diante deste cenário, sustento que os partidos de
esquerda devem elaborar suas agendas estratégicas não exclusivamente
pelo que está sendo retratado ou exigido pela “grande mídia”. A
informação, na sociedade democrática, é também parte de uma guerra pelo
mercado e a produção da notícia nem sempre corteja a verdade, mas quase
sempre está orientada pela busca o aumento do número de consumidores da
notícia.
Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar um futuro melhor para o país. Só assim, com a defesa de agendas autônomas e de interesse público, como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução momentânea dos holofotes e não estaremos sujeitos às armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. Não para informar e preservar a verdade.
Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar um futuro melhor para o país. Só assim, com a defesa de agendas autônomas e de interesse público, como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução momentânea dos holofotes e não estaremos sujeitos às armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. Não para informar e preservar a verdade.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Publicado no Carta Maior
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