Falsa intimidade
VLADIMIR SAFATLE
VLADIMIR SAFATLE
A moralidade é uma virtude disputada. Mesmo aqueles que dela conhecem
apenas o nome gostam de falar sobre virtudes morais como se fossem
íntimos de longa data.
Em época eleitoral, por exemplo, somos obrigados a acompanhar o
espetáculo lamentável de moralistas de última hora, que parecem
acreditar no pendor infinito da população ao esquecimento e à indignação
seletiva.
Melhor seria que eles se abstivessem de falar de moral antes de meditar
profundamente a respeito da passagem do Evangelho que exorta a primeiro
tirar a trave no seu próprio olho antes de retirar o cisco no olho do
próximo.
Por exemplo, o Brasil vive um momento importante com o corajoso
julgamento do chamado mensalão. Espera-se, com justiça, que daí nasça
uma nova jurisprudência para crimes de corrupção eleitoral. Espera-se
também que ninguém saia impune desse caso vergonhoso.
No entanto é tentar resvalar a moralidade à condição de discurso da
aparência e da esperteza ver políticos como o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e seu candidato à Prefeitura de São Paulo tentarem
utilizar a justa indignação popular em benefício eleitoral próprio.
Caso eles realmente amem os usos das virtudes morais em política, melhor
seria se começassem por fazer uma profunda autocrítica sobre o papel de
seu partido na criação do próprio mensalão, da acusação de compra de
voto na emenda da reeleição, assim como fornecer uma resposta que não
fira a inteligência quando membros de seu partido -como Marconi Perillo,
Yeda Crusius e Cássio Cunha Lima- aparecem envolvidos até a medula em
casos de corrupção.
Seria bom também que eles explicassem por que apoiam incondicionalmente
um prefeito que chegou a ter seus bens apreendidos pela Justiça no ano
passado devido ao caráter da contratação da empresa Controlar, e por que
a Justiça suíça e a francesa investigam propinas que a empresa Alstom
teria pago a políticos do governo paulista em troca de contratos com a
Eletropaulo.
Por fim, seria uma boa demonstração de respeito aos eleitores que o
candidato Serra se defendesse, de preferência sem impropérios, a
respeito das acusações sobre o processo de privatização de empresas
federais no período FHC.
Sem isso, toda essa pantomima lembrará uma velha piada francesa sobre um
sujeito que dizia a todos em sua pequena cidade ser amigo de Charles de
Gaulle. Eis que um dia, De Gaulle aparece na cidade. Para não ser
desmascarado, o sujeito resolve chegar perto do presidente e, com um tom
de cumplicidade, perguntar: "E aí, Charles, o que há de novo?". "De
novo", respondeu De Gaulle,"só mesmo essa intimidade".
Leia mais em: O Esquerdopata: Tire primeiro a trave de teu olho, tucano...
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