sábado, 29 de setembro de 2012

Um espectro ronda o jornalismo: Chatô

Por Fernando Morais

As agressões e infâmias dirigidas por alguns jornais, revistas, blogs e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro José Dirceu me fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados do século passado.
            Todas as sextas-feiras o grande cronista Rubem Braga assinava uma coluna no jornal “Estado de Minas”, o principal órgão dos Diários Associados em Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, certa vez Braga escreveu uma crônica considerada desrespeitosa à figura de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de Belo Horizonte. Herege, em si, aos olhos da conservadora sociedade mineira o artigo adquiriu tons ainda mais explosivos pela casualidade de ter sido publicado numa Sexta-Feira da Paixão.
            Indignado, o arcebispo metropolitano Dom Antonio dos Santos Cabral redigiu uma dura homilia recomendando aos mineiros que deixassem de assinar, comprar e sobretudo de ler o “Estado de Minas”. Dois dias depois o documento foi lido na missa de domingo de todas as quinhentas e tantas paróquias de Minas Gerais.
            O míssil disparado pelo religioso jogou no chão a vendagem daquele que era, até então, o mais prestigioso jornal do Estado. E logo repercutiu no Rio de Janeiro. Mais precisamente na mesa do pequenino paraibano Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, um império com rádios e jornais espalhados por todos os cantos do Brasil.
            Célebre pela fama de jamais engolir desaforos, o colérico Chateaubriand telefonou para Geraldo Teixeira da Costa, diretor do “Estado de Minas”, com uma ordem expressa, repleta de exclamações:
            - Seu Gegê! Quero uma reportagem de página inteira contando que quando jovem Dom Cabral estuprou a própria irmã! O senhor tem uma semana para publicar isso!
            Tamanha barbaridade não passaria pela cabeça de quem quer que conhecesse o austero Dom Cabral, cujas virtudes haviam levado o Papa Pio XI a agraciá-lo com o título de Conde. Mas ordens eram ordens.
            Os dias se passavam e a reportagem não aparecia no jornal. Duas semanas depois do ultimato, um Chateaubriand possuído pelo demônio ligou de novo para Belo Horizonte:
            - Seu Gegê! Seu Gegê! O senhor esqueceu quem é que manda nesta merda de jornal? O senhor esqueceu quem é que paga seu salario, seu Gegê? Cadê a reportagem sobre o estupro incestuoso cometido por Dom Cabral?
Do outro lado da linha, um pálido e tremebundo Gegê gaguejou:
- Doutor Assis, temos um problema. Descobrimos que Dom Cabral é filho único, não tem e nunca teve irmãs...
Sapateando sobre o tapete, Chateaubriand parecia tomado por um surto nervoso:
- TEMOS um problema? Seu Gegê, nós não temos problema algum! Isso é um problema de Dom Cabral! Publique a reportagem! Cabe A ELE provar que não tem irmãs, entendeu, seu Gegê? Vou repetir, seu Gegê: cabe A ELE provar que não tem irmãs!!
Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se do Cemitério do Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e nos editores dos principais jornais e revistas brasileiros.
Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar que não marchou com a família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos, pedindo aos militares que derrubassem o governo do presidente João Goulart. Cabe a Dirceu provar que não foi o chefe do chamado mensalão.
Fernando Morais é jornalista e escritor. É autor, entre outros livros, de “Chatô, o rei do Brasil”, biografia de Assis Chateaubriand.

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