Cadê a indústria que tava aqui?
O Serra pode ser criticado por muitos motivos. Mas num ponto é preciso concordar com ele: o Brasil está num proceso de desindustrialização. Logo no início do governo Dilma, publiquei aqui um modesto artigo que tocava nesse ponto – lembrando os alertas lançados por dois importantes economistas: Delfim Neto e Marcio Pochmann.
A CartaCapital dessa semana traz, na capa, exatamente o tema da desindustrialização. Ou seja: nesse ponto, Serra está bem acompanhado. O que não ajuda muito o tucano é o fato de ter sido ministro (do Planejamento) num governo que adotou a doutrina ultraliberal feito dogma, abrindo a economia sem nenhum tipo de freio, expondo a indústria (e o país) à tal “âncora cambial” – que servia para frear a inflação e consolidar o Real, mas que teve um papel nefasto para o Mercado Interno.
Agora, Dilma diz – na Alemanha, que Brasil vai se proteger da guerra cambial.
Lembro bem que, durante o governo FHC, a cada reclamação do setor industrial, gente ligada ao tucanato ia pra imprensa e chamava o prédio da FIESP de “grande monumento ao custo Brasil”. Quase na galhofa. Os tucanos (ou parte deles, porque havia gente ajuizada como Bresser, que não achava graça nenhuma em jogar fora o Capital nacional) pareciam ter um desejo sádico de quebrar a indústria nacional, arrebentar esse patrimônio construído a duras penas desde o governo Vargas.
O tucanato podia-se dar a esse luxo. Afinal, na ampla coalizão que sustentava FHC, o setor financeiro era claramente hegemônico (basta ver onde foi trabalhar o Ministro Malan, após deixar o governo).
Lula/Dilma mantiveram o setor financeiro na grande aliança que sustenta o governo. Isso é inegável. Mas a ênfase mudou. Lula cumpriu o velho programa dos “economistas do PMDB”, que passaram anos e anos lutando para que o Brasil priorizasse o mercado interno de massas e crescesse dividindo o bolo. Isso só pôde ser feito em aliança com a indústria. Lula pôs em prática também a velha tese do partidão: a famosa “aliança do operariado com a burguesia industrial”. Lula fez isso, e ao mesmo tempo incorporou vinte milhões de miseráveis ao mercado. E – ufa! - sem desagradar a Banca. Ficou de fora do grande arranjo lulista a classe média tradicional (ou “pequena-burguesia”, como diziam os petistas quando ainda estavam sob influência do marxismo) - não é à toa que dela parte a oposição mais virulenta a Dilma/Lula.
Mas essa é outra história… Quero me concentrar em outro ponto. O compromisso de Lula com o setor produtivo industrial, de certa forma, era sinalizadao pela presença de um “capitão da indústria” na vice-presidência. José Alencar passou oito anos brigando pra derrubar os juros. Era a forma de Lula equilibrar o jogo, ainda que no primeiro mandato a balança tenha pendido mais para o núcleo duro financista, representado pela dupla Palocci/Meirelles.
No segundo mandato, a presença de Mantega na Fazenda foi decisiva para que, na crise de 2008, Lula adotasse uma saída “expansionista” pra enfrentar a crise. Uma das medidas para fazer o Brasil resistir à crise foi a redução de alíquotas de imposto pros carros. Isso mostra o papel dinâmico da indústria. Mostra porque é fundamental preservar o imenso patrimônio industrial brasileiro. Lula manteve a aliança com a banca. Mas deu mais ênfase ao mercado interno e à indústria. No governo Lula, ninguém chamava a FIESP de “monumento ao custo Brasil”…
Mas o fato é que “mudar a ênfase” é muito pouco. Do contrário, qualquer dia vamos acordar, olhar pro lado e perguntar: cadê a indústria que tava aqui? A China comeu.
O Brasil hoje é vítima de sua estabilidade. Mais que isso: dólares não param de chegar, deixando o Real cada vez mais forte. Por que? Porque nossos juros altos atraem capital. E há muito dinheiro voando por aí. Os EUA detêm a famosa “maquininha de imprimir papel-moeda”. Os tolos liberais brasileiros sempre disseram que política expansionista era um erro. E que era preciso “enxugar” a economia, e “fazer a lição de casa” e blá-blá-blá. O Federal Reserva não acredita na cantilena liberal. Na crise, inundou o mundo de dólares. Qual o objetivo? Os produtos dos EUA precisam ficar mais baratos! É uma tentativa desesperada de recuperar a indústria dos EUA – dizimada pelos chineses.
Como diz meu colega Azenha: Reagan iniciou o processo de exportar empregos industriais para a China e o México. Os EUA queriam ficar apenas com a “economia limpa”, do setor de serviços. Agora, os EUA descobrem que só os “serviços” não seguram o país na hora da crise. E também se perguntam: cadê a indústria? A China comeu!
Do outro lado do mundo, a China segura a cotação do yuan. É o que explica – em parte – os preços imbatíveis dos produtos industriais chineses.
E o Brasil?
Não há saída. Agora não bastam mudanças cosméticas. Não basta baixar IPI aqui ou ali. Nossa indústria está sendo dizimada. Não se trata de “choradeira da Fiesp”. Conheço duas pessoas – empresários de pequeno porte – que trabalham com exportação de produtos brasileiros. Os dois estã com a corda no pescoço. A duras penas, seguram os clientes que ainda não se mandaram; não conseguem novos clientes. O mundo quer comprar barato da China.
Ok, talvez não consigamos concorrer com os chineses, a não ser aqui na América Latina, o que já não seria pouco…
Mas o principal, agora, é fazer a defesa de nosso mercado interno. Isso é urgente. O governo precisa adotar medidas duras pra conter a valorização do dólar e pra impedir a entrada dos produtos chineses.
Recentemente, entrevistei o profesor Bresser Pereira, e ele foi claro. O Brasil precisa controlar a entrada e saída de dólares. Se Dilma não fizer isso agora, o estrago pode ser definitivo.
O que nos consola é: esse não é um drama (apenas) brasileiro. O mundo vive a tal “guerra cambial”. EUA e China usam suas armas. Precisamos usar as nossas, lembrando sempre da velha frase do Mario Henrique Simonsen: “a inflação aleija, mas o câmbio mata.”
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Artigo copiado de Escrevinhador - por Rodrigo Vianna
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