Ela desenvolveu uma linha de raciocínio, que pelo menos para meu entendimento, foi mais sociológico. É curioso que se ela desenvolvesse mais um pouco esse raciocínio, ela chegaria a conclusão de que atingira muito melhor os objetivos de justiça que desejava para a sociedade, com o voto oposto ao que deu.
Entendi que Cármen Lúcia quis condenar a corrupção, impessoalmente, e, para isso, azar de quem deixou pegadas. O simples recebimento dos R$ 50 mil de uma forma indevida já foi suficiente, independentemente do motivo real pelo recebimento.
Seu raciocínio, no caso de João Paulo, parece ter sido: houve crime (eleitoral, de caixa-2, admitido), tem que haver castigo. Se não é possível puni-lo pelo crime eleitoral, puna-se pelas outras acusações, independente da dúvida se ele realmente os cometeu na forma da denúncia.
Fez uma analogia do caso com uma mosca que cai na teia de aranha. Há muitas e muitas outras moscas, mas a ministra disse que não poderia deixar impune uma que tenha se enroscado na teia de aranha.
Se ela se desse conta, essa comparação cai como uma luva, para comparar com a Teoria da Evolução de Darwin, onde as moscas mais aptas naquele ambiente são as que sobrevivem. Impera a lei do mais forte para sobreviver.
A tese de Cármen Lúcia, ao desconsiderar os atenuantes nas condutas individuais e o contexto em que ocorreram os fatos, acaba por matar as "moscas" menos aptas à corrupção, e deixa sobreviver as mais aptas, causando o efeito inverso ao que ela deseja.
Todos os partidos fizeram caixa-2 de campanha, e alguns ainda devem fazer. Quanto mais organizados, "profissionais" e espertos para burlar a lei, mais sobrevivem impunemente e se tornam mais fortes com a condenação dos mais fracos que fizeram caixa-2 toscos. Não por acaso, a CPI do Banestado não produziu os mesmos resultados no judiciário. Tratavam-se de tubarões mais profissionais, mais aptos à sobrevivência no ecossistema da corrupção de colarinho branco.
Se Cármen Lúcia tivesse tempo de se aprofundar mais, talvez poderia chegar à conclusão de que quem empurra a mosca para a armadilha da teia de aranha pode ser mais nocivo do que a mosca que cai.
Seguindo na linha de raciocínio da sociologia do crime, a ministra veria que determinados crimes são agentes de mudanças sociais. Os casos mais clássicos são as rebeliões populares e desobediência civil contra leis opressoras, que levam a mudanças destas leis. Mas até no cotidiano acontecem mudanças ao longo do tempo, através da mudança cultural e de costumes. Adultério era um crime que foi sendo cada vez mais tolerado e atenuado até acabar sendo retirado do código penal.
Até quando FHC esteve no poder, a oposição petista e dos outros partidos de esquerda tentaram denunciar e corrigir todas essas mazelas de bandalheiras de campanha, para disputar eleições com campanhas limpas em condições de igualdade. Todas as denúncias daquele tempo acabavam em pizza e engavetamento. Se era impossível limpar o jogo eleitoral (inclusive com a tolerância do ministério público que engavetava e do judiciário que não condenava), qual a solução senão "tocar como a banda toca" e entrar no jogo do caixa-2 também, para conseguir disputar com chances?
Por analogia, é semelhante àqueles jogos de futebol acirrados entre Brasil x Argentina. Se o juiz é rigoroso e marca todas as faltas, o jogo segue limpo e vence o melhor futebol. Se o juiz não marca faltas, e um lado começa a catimbar, jogar sujo e violento, só resta ao outro time reagir da mesma forma, senão entrega o jogo.
O crime eleitoral de caixa-2 de campanha, no Brasil, tornou-se tão tolerado e generalizado por todos os partidos e grandes empresas e empresários tidos como de boa reputação que, socialmente, na consciência coletiva de quem vivia a realidade financeira das campanhas políticas, apenas caixa-2 não era mais considerado crime grave, e sim uma infração imposta a quem quisesse disputar eleições com chances.
Já era lei que perdia legitimidade, por ninguém respeitá-la, e quando isso acontece se impõe uma alteração para novas regras, que leva à tão falada reforma política e ao financiamento exclusivamente público de campanha, reclamado há anos por quem tem interesse de fato na moralização da política.
Por isso, se Cármen Lúcia queria, com seu voto, evitar impunidade e dissuadir a corrupção, ela apenas está, involuntariamente, contribuindo para um processo de seleção natural (como explicou Darwin) onde sobrevive apenas os mais aptos à corrupção.
Matando apenas um pedaço do grupo político que fez caixa-2, mais fraco e menos apto à corrupção, favorece a sobrevivência do grupo adversário mais forte neste quesito, por ser mais adaptado à ele ao longo de 500 anos de patrimonialismo onde os donos do dinheiro e do poder sempre fizeram parte do mesmo clube fechado.
Sem fugir à obrigação de fazer justiça e condenar quem tenha de fato desviado dinheiro público e tenha provas contra si irrefutáveis, como fizeram os ministros Lewandowski e Toffoli até agora, melhor seria não inventar condenações aos demais como castigo compensatório pelo crime eleitoral prescrito, pois mostrando claramente para a sociedade o que ocorreu, e que os políticos ou buscam dinheiro onde jamais deveriam buscar, para se elegerem ou não se elegem, os ministros do STF estariam da forma mais justa possível contribuindo para a consciência coletiva e popular deflagar a reforma política, em vez de saciar com o sacrifício de poucos bodes expiatórios.
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