sábado, 10 de setembro de 2011

O dia em que a Folha se ferrou.

Liberdade de Imprensa na ordem do dia: um caso em que a Folha se ferrou direitinho na Justiça por causa de reportagem malfeita, ahahaha!
Filed under: WordPress — Tags:Folha de São Paulo, informação, jornalismo, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, PIG ( Partido da Imprensa Golpista ) — Humberto Amadeu @ 7:30 pm
O texto a seguir é a segunda parte do artigo ”Crítica jornalística – A liberdade de imprensa, os seus limites e a ameaça de censura” da autoria de Janaína Rosa Guimarães e publicado na edição 64 da revista VISÃO JURÍDICA, mas também disponível no site da publicação. Artigo rico em terminologia jurídica, como é de se esperar, visto o público a que se destina, traz interessantes reflexões acerca do propalado direito à informação que, geralmente, nos é apresentado como sinônimo de “liberdade de imprensa” e esta, na prática, trata-se da liberdade dos patrões da imprensa de publicarem o que desejarem. Bom, é um tema de amplo escopo e não me acho preparado para discussões desta monta. Limito-me a transcrever a citada segunda parte do artigo de Janaína [ o texto se encontra integralmente no site ], que relata uma condenação judicial sofrida pelo jornal Folha de São Paulo. Processo iniciado em 2003 e concluído no início deste ano ( quero ver a imprensa se queixar da “lerdeza do Judiciário” depois dessa ) obrigou o jornal a pagar uma indenização a um advogado supostamente estelionatário e contrabandista e publicar a decisão judicial que a condenou ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais ao autor do processo. Vejam pelos senhores mesmos:
A responsabilidade diante do abuso no direito de informar
Em fevereiro de 2011, o caderno “Ciência” do maior jornal diário do País surpreendeu seus leitores com a manchete: “Cumprimento de decisão judicial”. Cumprindo determinação do Tribunal de Justiça do Paraná, a Folha de S.Paulo publicou decisão judicial que a condenou ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais a um advogado. A 8ª Câmara Cível do TJ/PR entendeu que o jornal abusou do seu direito de informar ao apontar o advogado como negociante ilegal de fósseis contrabandeados da China. A decisão – Apelação Cível 508.742-5 – é uma das últimas que se baseou na Lei de Imprensa para obrigar um veículo a se retratar publicamente.
O caso teve início em janeiro 2003, quando foi publicada a reportagem “Advogado vende fóssil ilegal pela internet”. Consta dos autos que o autor foi apontado por pelo menos três vezes como negociante ilegal de fósseis da China e que, por isso, foi atribuída a ele a possibilidade de ser acusado por estelionato, contrabando ou por ferir crimes ambientais.
O advogado recorreu à Justiça, alegando que o conteúdo da reportagem não era verdadeiro, uma vez que a notícia não considerou fatos que demonstravam a legalidade das operações comerciais, como o pagamento de tributos à Receita Federal. A Folha argumentou que não houve ofensa à honra do advogado e que a reportagem se limitou a narrar os fatos, inclusive retratando informações da Embaixada da China no Brasil e da Polícia Federal. A 6ª Vara Cível de Curitiba julgou improcedente a ação indenizatória.
O TJ/PR, ao apreciar o recurso do advogado, considerou que a Folha fez acusações que violaram a honra e a integridade dele, pois não houve cuidado em relação à veracidade e ao relato fiel dos fatos apurados. “Com isso não se quer dizer que é vedada à mídia a publicação de reportagens de cunho investigativo, que levem à população em geral a informação sobre os podres que atingem a sociedade (…). O que se exige, entretanto, é que tais reportagens se mostrem objetivas e representem relato fiel às informações que lhe deram origem, sem qualquer transformação de cunho manipulativo que altere a realidade”, destacou a relatora convocada do caso, juíza substituta Denise Krüger Pereira.
A relatora aponta que já no subtítulo da matéria há uma “grave” acusação: “Paranaense negocia em site brasileiro ovos de dinossauro contrabandeados da China”. Ela afirma, ainda, que o texto apresenta erros de informação, entre eles o trecho que diz que “os ovos foram comprados de um revendedor chinês chamado Michael Zheng”. De acordo com os autos, os ovos foram comprados via internet de um vendedor americano.
O acórdão aponta, ainda, que a comercialização dos fósseis não tinha caráter comercial, tendo em vista a entrevista feita com o advogado pela jornalista que assina a matéria e o número de peças compradas. Teixeira comprou quatro fósseis e revendeu dois deles.
A relatora aponta que o texto afirma que o advogado poderia responder por estelionato e crime ambiental, porém, somente se os ovos fossem falsos ou vendidos no Brasil, hipóteses que a própria reportagem nega. O acórdão termina afirmando que, após a publicação da reportagem, Teixeira procurou a Polícia Federal e descobriu que nenhuma investigação fora aberta contra ele, ao contrário do que disse a reportagem.
“Desse modo, por faltar com a completa veracidade ao teor da publicação, por violação do dever de cuidado ao informar e por clara manipulação das informações obtidas de modo a tornar a reportagem claramente sensacionalista, entendo que é devida a indenização a título de danos morais ao autor, posto que o animus narrandi, imprescindível à boa reportagem, foi claramente ultrapassado, incorrendo as apelantes em abuso ao direito de informar”, afirma.
Por unanimidade, a Câmara seguiu o voto da relatora e condenou a Folha a pagar indenização de R$ 30 mil, a publicar a sentença na íntegra, nos mesmos moldes do texto (mesmos destaques, tamanho e tipo de fonte), e a retirar da internet cópia da reportagem [ NOTA DESTE BLOG: A Folha tirou, mas tem aqui. Vejam a matéria satânica neste link ].
A juíza Denise Krüger Pereira recorreu ao artigo 75 da Lei de Imprensa para determinar a publicação do acórdão, apesar de ter considerado em seu relatório que a mesma lei não poderia ser aplicada para fixar o valor da indenização, de R$ 30 mil, de acordo com a jurisprudência do STJ.
A decisão não considerou decisão do Supremo Tribunal Federal que, em abril de 2009, declarou que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a Lei de Imprensa é incompatível com a Constituição, mas sim a Súmula 281 do STJ, que diz que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
“Diante da ausência de critérios legais preestabelecidos, cabe ao arbítrio do julgador, levando em consideração os precedentes jurisprudenciais, atender nessa fixação, circunstâncias relativas à posição social e econômica das partes, à intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente, à repercussão social da ofensa e ao aspecto punitivo-retributivo da medida”, destacou a relatora.
Em ambos os casos, tanto no caso da professora da Uniban como do advogado do Paraná, podemos ver a sobreposição de direitos fundamentais e os limites do trabalho da imprensa.
Por certo que o trabalho da imprensa é essencialmente especulativa, investigativa e inexata; fosse de outra forma bastaria à população consumir os diversos jornais dos três poderes, ouvir somente a Radiobras e emissoras públicas de televisão e ler boletins informativos, ficando assim absolutamente informada das verdades oficiais e não mais sujeitas a controvérsias (na visão de quem detém o poder). A hipótese é extravagante, mas deve ser lembrada exatamente como o oposto daquilo que informa os países democráticos e civilizados: o livre arbítrio, a responsabilidade e um nível aceitável de risco nas informações. Quanto às críticas não há o que discutir, pois são apenas opiniões; mais importante do que a opinião de quem critica é a de quem ouve a crítica e acompanha os fatos. A opinião pública se constrói a partir da informação, do questionamento, do desafio, da contestação e do debate. A liberdade sem adjetivos ou condições sempre moveu o homem – para mantê-la ou conquistá-la – sendo a opinião pública forte e bem-informada a maior garantia do Estado Democrático de Direito.
Por esse motivo é fundamental a imunidade dos políticos quando manifestam sua opinião, assim também é da essência do trabalho do magistrado formar livremente sua convicção acerca do processo que está julgando e, claro, da imprensa ao informar, criticar, opinar, exercer juízo de valor ou interpretar acontecimentos de qualquer área. O dever ético essencial do jornalista é não faltar com a verdade; comentar ou opinar são atividades que não permitem a mentira, pois a crítica é sempre verdadeira, mesmo que eventualmente equivocada ou superficial. A liberdade de imprensa, como de religião, pensamento e tantas outras, é garantia constitucional, cláusula pétrea e nuclear do contrato social brasileiro; não pode de forma alguma ser adjetivada, reduzida ou condicionada.
Por outro lado, é certo também apurar que a regulação da mídia se impõe, cada vez mais, como necessidade de jornalistas, empresários da comunicação e sociedade civil e não como discurso de ocasião.
Como bem preceitua o jurista José Afonso da Silva (in Direito Constitucional Positivo),
a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especial têm um dever. Reconhece-se-lhe o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade tais acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original: do contrário, se terá não informação, mas deformação.
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