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por Theotonio dos Santos *
Do Blog DoLaDoDeLá 10/09/2-12
por Theotonio dos Santos *
Vejo-me
na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em
nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978
contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra,
rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda
metade dos nos 1960.
A
discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de
uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta
carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil
teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender
porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o
seu governo com 96% de aprovação.
Já
discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno
dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos
discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da
população. Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política
eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da
maioria da população. (Se os leitores têm interesse de conhecer o
debate sobre estas bases teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado:
Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas, Editora Civilização
Brasileira, Rio, 2000). Contudo nesta oportunidade me cabe
concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você
repete exaustivamente nesta carta aberta.O primeiro mito é de que seu
governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que
o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados
positivos que não quer compartilhar com você… Em primeiro lugar vamos
desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a
inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma
hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações
superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO
APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada
pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores
desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário.
No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo,
próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS
INFLAÇÕES DO MUNDO. E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo
você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que
acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação
do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma
moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um
valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização
de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a
realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que
esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam
sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você
flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais
por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta
desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE
SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE?
Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta
tese? Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma
deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação
brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu
governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é
evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por
vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De
maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que
levou à crise brutal de 1999.
Segundo
mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu
Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60
bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando
entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor
fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese.
Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a
história da humanidade. E não adianta atribuir este endividamento
colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez
seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não
enfrentar a triste realidade de seu governo. Um governo que chegou a
pagar 50% ao ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar
os investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3
a 4%, não pode fugir do fato de que criou uma dívida colossal só para
atrair capitais do exterior para cobrir os déficits comerciais
colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada que impedia a
exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava para
cobrir o déficit que gerava. Este nível de irresponsabilidade cambial
se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou
sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar
da brutal concentração de renda que esta política agravou drasticamente
neste pais da maior concentração de renda no mundo. Vergonha,
Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus
companheiros de partido querem se identificar com o seu governo…te
obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.
Terceiro
mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida
externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do
governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em
1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS
SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que
colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do tesouro dos
Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e
BID. Tudo isto sem nenhuma garantia. Esperava-se aumentar as
exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O
fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular
desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para
pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de
Lula existiu exatamente em consequência deste fracasso colossal de sua
política macroeconômica. Sua política externa submissa aos interesses
norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas
exportações a uma economia decadente e um mercado já copado. A recusa
dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o
Estado apoiava e orientava nossas exportações. A loucura do
endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões
públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100
bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos do
mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de
qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO ROTUNDO que se traduzia
nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de
avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar… Fernando, o Lula
não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu
tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de
agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura
econômica que você e seu partido criou para este país.
Gostaria
de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso
fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido
Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um
só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha foi a comemoração
dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde
você não criou uma só universidade e entrou em choque com a maioria dos
professores universitários sucateados em seus salários e em seu
prestígio profissional. Não Fernando, não posso reconhecer nada que não
pudesse ser feito por um medíocre presidente.Lamento muito o destino
do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas
esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta
tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão
fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente
que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais
que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido
suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não
poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês vão
ficar na nossa história com um episódio de reação contra o verdadeiro
progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta
contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política
progressista. E dessa política vocês estão fora.Apesar de tudo isto, me
dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste
caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês ( e tenho a melhor
recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a
grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em
algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a
frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.
Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.
* Theotonio dos Santos
é economista, cientista político e um dos formuladores da Teoria da
Dependência. E é coordenador da cátedra e rede UNU-UNESCO de Economia
Global e Desenvolvimento sustentável – REGGEN.
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