segunda-feira, 21 de maio de 2012

Vidas secas, cofres cheios

Recursos oficiais disponibilizados para amenizar efeitos da estiagem é prato cheio para maus gestores; MP da Bahia está de olho e promete fiscalizar

20 de Maio de 2012 às 10:53

     Colunista

Por Jacira Santos

Imagens e textos são impactantes e, certamente, renderão prêmios de reportagens a alguns dos profissionais de mídia que vêm percorrendo o chamado Polígono das Secas, relatando o drama de quem anda léguas sob o sol inclemente em busca de uma lata de água para aplacar a sede. O quadro é de desespero. Os pastos morrem, o rebanho agoniza sob a vigilância dos urubus. Aqui e ali, o sonho da safra que traria fartura vira pesadelo esturricado. É como se o cenário descrito por Graciliano Ramos (1892-1953) no romance Vidas Secas, um dos mais conhecidos de sua obra, pulassem das páginas do livro para cada curva da estrada, numa demonstração de que a vida pode, sim, imitar a arte.
Mas é nesse cenário de dor e devastação que abutres em forma de gente se refestelam. Não por acaso, o Ministério Público da Bahia manifestou extraoficialmente a disposição de fiscalizar a forma como os gestores municipais vêm aplicando os recursos oficiais destinados a mitigar os danos causados pelo excesso de sol e escassez de chuva nos mais de 200 municípios baianos que já decretaram situação de emergência. Nada mais natural num país em que merenda escolar alimenta negociatas eleitorais e ambulâncias são usadas para injetar dinheiro público em contas privadas.
Como o atual ciclo de estiagem - o pior dos últimos 50, segundo especialistas - ocorre justamente num ano de eleições municipais, os procuradores de justiça precisarão ter cuidado redobrado na fiscalização aos cofres oficiais. Nas mãos de gestores inescrupulosos, cestas básicas podem muito bem ser trocadas por votos e carros-pipas podem perfeitamente irrigar a corrupção em velhos e novos currais eleitorais.
À espera de um milagre
Não são nem tão vultosos os recursos até agora liberados para amenizar os danos causados pela estiagem. Um pouco a mais que os R$ 40 milhões estimados para fazer circular a linha um do Metrô de Salvador, em seus seis quilômetros de extensão. Por ora, estão assegurados R$ 50,9 milhões, fruto de convênio celebrado entre os governo da Bahia e a  União sob a rubrica do programa Água para Todos.
De acordo com a previsão, os R$ 50,9 milhões serão aplicados da seguinte forma: R$ 20 mi em sistemas integrados de abastecimento de água para seis municípios (Manoel Vitorino, Mirante, Bom Jesus da Serra, Sento Sé, Caculé e Licínio de Almeida); R$ 16,5 mi para a implantação de 12 mil cisternas, fornecidas pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs); e os 14,4 milhões restantes para a construção de 360 barreiros, beneficiando em torno de 18 mil pessoas na região do semiárido, com maior pobreza e menor oferta de água.
A Bahia também será contemplada pela Medida Provisória 553/2011, proposta pela presidente Dilma Rousseff e que prevê o repasse de R$ 533 milhões para fortalecer o Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec), palavreado que, em livre tradução, significa dinheiro a ser usado em perfuração de poços artesianos, aquisição de máquinas e cestas básicas. Não é a salvação da lavoura, mas são ações que representam um alento até que, a seca - um fenômeno natural e cíclico, como as nevascas em países europeus - dê lugar à regularização do regime de chuvas.
Mas, enquanto persiste a estiagem, resta ao sertanejo da vida real seguir o script de Fabiano, protagonista de Vidas Secas: continuar rezando por um milagre. Na obra de ficção, a graça consiste em o personagem ver cair do céu as gotas de esperança; na vida real, é preciso também rezar para afastar dos recursos emergenciais olhos e garras das aves de rapina. Nos dois casos, sempre um milagre.

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